Aloísio de Toledo César - O Estado de S.Paulo
As instituições às vezes refletem contradições capazes de deixar atordoado o mais sereno dos brasileiros. Uma delas, bastante recente, está na circunstância de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, detentor de linda carreira, com quase 40 anos de magistratura sem a mais leve mancha, a partir de 1.º de fevereiro passar a receber subsídios iguais aos do comediante Tiririca, eleito deputado federal.
O País acompanhou o fenômeno Tiririca, o mais votado de todos os tempos, apesar de sua claudicante alfabetização, tão controversa que tornou duvidosa a conclusão final do Judiciário a respeito de ser ele alfabetizado ou não. É pessoa simpática e detentora de talento próprio para as graças que costuma fazer e das quais se alimenta. Mas, sem dúvida alguma, a equiparação assusta.
A imagem do comediante não se confunde com a do Congresso Nacional, integrado por muitas pessoas de bom nível intelectual e cultural. Mas, com a decisão do final do ano passado, que vinculou os vencimentos dos deputados federais e senadores aos recebidos pelos ministros do STF, Tiririca e Cezar Peluso estarão empatados nos respectivos contracheques.
Em verdade, é pior do que isso, porque os deputados federais e senadores, por força daquelas vantagens extraordinárias para pagamento de despesas pessoais e de assessores, acabam recebendo bem mais do que um ministro do Supremo.
Isso tende a criar situação bastante constrangedora. Os representantes do povo detêm o poder de aprovar as leis e por isso lhes é dado decidir se portadores de mandatos eletivos devem receber subsídios iguais ou maiores que os dos ministros do STF e vice-versa.
O que não parece adequado é a equiparação, porque representa o risco de se perpetuar, ou seja, cada vez que houver aumento dos subsídios dos ministros do STF, o precedente poderá levar os congressistas e votarem nova lei em causa própria, promovendo outra vez a equiparação.
A Constituição federal, em seu artigo 37, inciso XI, determinou com toda a clareza que os subsídios dos ministros do Supremo devem ser os mais elevados, tanto que representam o valor máximo para cálculo dos demais. A equiparação levada a efeito no final de 2010 introduziu um aleijão na Carta Magna, ou seja, fez surgir um arremedo de paradigma, representado pelos valores que serão recebidos por deputados federais e senadores.
Sem nenhuma dúvida, não foi isso o que pretendeu o legislador constituinte de 1988 ao colocar o STF no topo da escala de vencimentos dos agentes do Estado. Se a moda pega, outros ocupantes de cargos, funções e empregos públicos, na administração direta e indireta, poderão postular a mesma equiparação a ministros e congressistas, uma vez que o precedente está cristalizado.
Após seguidas eleições, pacificamente realizadas, a democracia brasileira mostra-se efetivamente consolidada, sobretudo com a escolha, agora, de uma mulher para presidente da República. Mas todos sabemos que a democracia tem os seus inimigos. A equiparação de vencimentos de deputados federais, senadores e ministros, dando a ideia de uma nobreza intocável e favorecida, será sempre um prato cheio para aqueles que gostariam de estatizar até mesmo os banhos de praia.
Os vencimentos dos subsídios dos ministros do STF são fixados por lei federal. A última, de 2005, fixou-os em R$ 21.500, com elevação ao patamar de R$ 24.500 a partir de 1.º de janeiro de 2006. Pela Resolução n.º 423, legalmente prevista, esses valores foram elevados pelo STF para R$ 26.723,13. Com base neles são calculados os vencimentos dos ministros dos outros tribunais, juízes e promotores de Justiça, federais e estaduais.
Está prevista para o início da atual legislatura a votação pelo Congresso do projeto que concede ligeira majoração aos vencimentos dos ministros do Supremo. Isso ocorrerá pela primeira vez num momento em que ministros e congressistas recebem os mesmos subsídios e, claro, poderá provocar constrangimentos.
A equiparação efetivada ocorreu levando em conta tão somente os valores recebidos pelos ministros da Suprema Corte, ou seja, não houve alteração do princípio constitucional que coloca os subsídios dos ministros do STF na condição de os mais elevados do País. Isso significa que a possível aprovação do reajuste pretendido pelo Supremo não se estenderá automaticamente aos congressistas, muito embora, dado o precedente, fique em aberto a possibilidade de estes iniciarem nova corrida para igualar os subsídios. Vê-se que se trata de questão tormentosa, capaz de repercutir desastrosamente entre a população espectadora.
O acesso ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal representa o coroamento de qualquer carreira jurídica. É uma honra ser escolhido, porém a escolha não representa um agradável desfecho de vida profissional, representando, ao contrário, servidão interminável, decorrente do inacreditável volume de processos que cada ministro tem a obrigação de julgar.
Respeitadas as exceções, os ministros da Supremo Corte trabalham muitas vezes mais do que a maioria dos deputados e senadores. E, muito embora ocupem o cargo máximo na hierarquia dos agentes públicos, não será confortável para eles receberem os mesmos subsídios que serão pagos aos parlamentares no Congresso Nacional - inclusive ao deputado federal Tiririca.
A equiparação em favor dos deputados federais e senadores ocorreu por decreto legislativo, no final do ano passado, aprovado em regime de urgência e resultando em majoração de 61,68% nos seus subsídios, ou seja, índice bastante superior ao da inflação no período. Como se efetivou por decreto legislativo, nem houve necessidade de sanção do presidente da República.
DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJ-SP)
As instituições às vezes refletem contradições capazes de deixar atordoado o mais sereno dos brasileiros. Uma delas, bastante recente, está na circunstância de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, detentor de linda carreira, com quase 40 anos de magistratura sem a mais leve mancha, a partir de 1.º de fevereiro passar a receber subsídios iguais aos do comediante Tiririca, eleito deputado federal.
O País acompanhou o fenômeno Tiririca, o mais votado de todos os tempos, apesar de sua claudicante alfabetização, tão controversa que tornou duvidosa a conclusão final do Judiciário a respeito de ser ele alfabetizado ou não. É pessoa simpática e detentora de talento próprio para as graças que costuma fazer e das quais se alimenta. Mas, sem dúvida alguma, a equiparação assusta.
A imagem do comediante não se confunde com a do Congresso Nacional, integrado por muitas pessoas de bom nível intelectual e cultural. Mas, com a decisão do final do ano passado, que vinculou os vencimentos dos deputados federais e senadores aos recebidos pelos ministros do STF, Tiririca e Cezar Peluso estarão empatados nos respectivos contracheques.
Em verdade, é pior do que isso, porque os deputados federais e senadores, por força daquelas vantagens extraordinárias para pagamento de despesas pessoais e de assessores, acabam recebendo bem mais do que um ministro do Supremo.
Isso tende a criar situação bastante constrangedora. Os representantes do povo detêm o poder de aprovar as leis e por isso lhes é dado decidir se portadores de mandatos eletivos devem receber subsídios iguais ou maiores que os dos ministros do STF e vice-versa.
O que não parece adequado é a equiparação, porque representa o risco de se perpetuar, ou seja, cada vez que houver aumento dos subsídios dos ministros do STF, o precedente poderá levar os congressistas e votarem nova lei em causa própria, promovendo outra vez a equiparação.
A Constituição federal, em seu artigo 37, inciso XI, determinou com toda a clareza que os subsídios dos ministros do Supremo devem ser os mais elevados, tanto que representam o valor máximo para cálculo dos demais. A equiparação levada a efeito no final de 2010 introduziu um aleijão na Carta Magna, ou seja, fez surgir um arremedo de paradigma, representado pelos valores que serão recebidos por deputados federais e senadores.
Sem nenhuma dúvida, não foi isso o que pretendeu o legislador constituinte de 1988 ao colocar o STF no topo da escala de vencimentos dos agentes do Estado. Se a moda pega, outros ocupantes de cargos, funções e empregos públicos, na administração direta e indireta, poderão postular a mesma equiparação a ministros e congressistas, uma vez que o precedente está cristalizado.
Após seguidas eleições, pacificamente realizadas, a democracia brasileira mostra-se efetivamente consolidada, sobretudo com a escolha, agora, de uma mulher para presidente da República. Mas todos sabemos que a democracia tem os seus inimigos. A equiparação de vencimentos de deputados federais, senadores e ministros, dando a ideia de uma nobreza intocável e favorecida, será sempre um prato cheio para aqueles que gostariam de estatizar até mesmo os banhos de praia.
Os vencimentos dos subsídios dos ministros do STF são fixados por lei federal. A última, de 2005, fixou-os em R$ 21.500, com elevação ao patamar de R$ 24.500 a partir de 1.º de janeiro de 2006. Pela Resolução n.º 423, legalmente prevista, esses valores foram elevados pelo STF para R$ 26.723,13. Com base neles são calculados os vencimentos dos ministros dos outros tribunais, juízes e promotores de Justiça, federais e estaduais.
Está prevista para o início da atual legislatura a votação pelo Congresso do projeto que concede ligeira majoração aos vencimentos dos ministros do Supremo. Isso ocorrerá pela primeira vez num momento em que ministros e congressistas recebem os mesmos subsídios e, claro, poderá provocar constrangimentos.
A equiparação efetivada ocorreu levando em conta tão somente os valores recebidos pelos ministros da Suprema Corte, ou seja, não houve alteração do princípio constitucional que coloca os subsídios dos ministros do STF na condição de os mais elevados do País. Isso significa que a possível aprovação do reajuste pretendido pelo Supremo não se estenderá automaticamente aos congressistas, muito embora, dado o precedente, fique em aberto a possibilidade de estes iniciarem nova corrida para igualar os subsídios. Vê-se que se trata de questão tormentosa, capaz de repercutir desastrosamente entre a população espectadora.
O acesso ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal representa o coroamento de qualquer carreira jurídica. É uma honra ser escolhido, porém a escolha não representa um agradável desfecho de vida profissional, representando, ao contrário, servidão interminável, decorrente do inacreditável volume de processos que cada ministro tem a obrigação de julgar.
Respeitadas as exceções, os ministros da Supremo Corte trabalham muitas vezes mais do que a maioria dos deputados e senadores. E, muito embora ocupem o cargo máximo na hierarquia dos agentes públicos, não será confortável para eles receberem os mesmos subsídios que serão pagos aos parlamentares no Congresso Nacional - inclusive ao deputado federal Tiririca.
A equiparação em favor dos deputados federais e senadores ocorreu por decreto legislativo, no final do ano passado, aprovado em regime de urgência e resultando em majoração de 61,68% nos seus subsídios, ou seja, índice bastante superior ao da inflação no período. Como se efetivou por decreto legislativo, nem houve necessidade de sanção do presidente da República.
DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJ-SP)
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