quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CRACK: INTERNAÇÃO À FORÇA É A SAÍDA?

Usuário de crack no interior do prédio onde funcionou a loja Giacomin na Ilha do Príncipe e que hoje está abandonado (mãos acendendo cachimbo)

Elas fazem de tudo para salvar filhos

Prisão
: Tereza Feliz de Paula, em novembro de 2010, algemou e prendeu seu filho, viciado em crack, dentro de casa. Não havia vaga para internar o filho.

Medo:
Rafael Diogo, 21 anos, foi algemado pela mãe, Paula Moreira, 39, na última quinta. Há sete anos eles fogem, com medo de Rafael ser morto.

Fuga:
O filho de L. B. V., 43 anos, fugiu da casa da mãe. há nove meses, pelo buraco que fez na parede do quarto em que estava. Também é viciado em crack.

Em debate

São Paulo - Interesse municipal:
A cidade quer retirar os moradores de rua, principalmente das cracolândias. Todos serão avaliados para saber em quais situações cabe internação compulsória para tratar a dependência.

Rio de Janeiro - Projeto em andamento:
Desde 31 de maio deste ano a cidade interna compulsoriamente crianças, adolescentes e adultos que vivem nas ruas e são viciados. A internação dura, em média, 45 dias. E, em casos graves, pode durar de oito a dez meses.

Vila Velha - Até o final do ano
: A cidade quer retirar todos os moradores de rua. Quem for criminoso será preso; dependente químico será tratado, mesmo que não seja sua vontade; e quem não for da cidade será encaminhado ao município de origem.

Por duas vezes Rosilene Ferreira da Silva, 51 anos, tentou internar sua filha, Úrsula, à força. Em outras quatro vezes, foi a moça, de 29 anos, que aderiu ao tratamento, por vontade própria. Em todas, acabou voltando a usar o crack. Agora, está livre das drogas há 15 dias, mas a preocupação dessa mãe, assim como de tantas outras, permanece. E, no meio do desespero, vale tudo para salvar o filho: amarrá-lo na cama, usar correntes, prender no quarto... A solução para esses e outros casos seria procurar pela Justiça e pedir a internação compulsória do dependente?

A Prefeitura de Vila Velha defende que sim e quer começar a internar à força os moradores de rua, entre adultos, adolescentes e crianças, até o final deste ano. A cidade se inspira no modelo adotado pelo Rio de Janeiro há cerca de quatro meses, desde o dia 31 de março. Mas a decisão de retirar o morador da rua e levá-lo a uma clínica de internação para dependentes químicos contra a sua vontade traz alguns questionamentos. Quem é contra argumenta que o tratamento só é eficaz quando o paciente quer ser tratado.

"Há estudos que apontam isso. Precisa da vontade do paciente e de uma estrutura decente para atender a essa demanda, dentro e fora das clínicas especializadas. E isso não há", defende o advogado e professor de Direito da Univix, Breno José Bermudes Brandão. Segundo ele, por muitas vezes é o judiciário quem faz o papel do Estado, ao determinar a internação do dependente.

Permissão
Hoje, a internação compulsória acontece quando a família ou o Estado intervêm em defesa do dependente químico, pedindo ajuda à Justiça. Foi o que Rosilene fez, referindo-se ao artigo 1.777 do Código Civil e à Lei 10.216, de 2001, para conseguir salvar a filha. "Úrsula não queria, é verdade. Mas quando recuperou a consciência e viu o que acontecia, passou a pedir ajuda. Mas é difícil largar o vício", avalia Rosilene.

Nessa hora, a Justiça leva em consideração o risco de vida do viciado. Dependendo das condições físicas e sociais em que se encontra, o dependente pode acabar morrendo ou, até, matando alguém. O mesmo critério é defendido pelos médicos, na hora de pedir uma internação involuntária - não precisa da aprovação da Justiça, mas a decisão deve ser comunicada ao Ministério Público. O paciente é internado após avaliação médica, feita a pedido de algum responsável.

"Nesses dois casos, cabe ressaltar que a decisão é para o bem do paciente, mesmo que ele não o queira. Normalmente, até o terceiro dia de internação à força, o dependente percebe que o tratamento é necessário e passa a ser voluntário. Mesmo quando isso não acontece, a medida compulsória deve ser mantida", defende o psiquiatra Fernando Furieri.

A mesma lei federal que defende as internações sem a vontade do paciente também reforça a necessidade de uma política de redução de danos. "A lei prega um trabalho de prevenção, o que não é cumprido pelo Estado. Antes de chegar à internação à força, é necessário que se ofereça uma gama de serviços públicos de saúde que atendam a esse público, tentando minimizar danos maiores à população", explica o advogado Breno José Bermudes Brandão.

foto: Edson Chagas
Lixo e usuário de crack no interior do prédio onde funcionou a loja Giacomin na Ilha do Principe e que hoje está abandonado - Editoria: Cidade - Foto: Edson Chagas
"O critério usado para internar alguém à força é o de risco de vida do viciado ou o risco que ele cause a outrem", Fernando Furieri psiquiatra

22 operações de combate ao crack foram feitas, no Rio de Janeiro, pela Secretaria de Assistência Social.

1.319pessoas foram retiradas das ruas da cidade, sendo 1.065 adultos e 254 crianças e adolescentes.
Contradições

A internação compulsória deveria acontecer em último caso, em situações extremas. Mas como lidar num ambiente em que todos estão no limite? Tanto a Prefeitura do Rio de Janeiro, quanto a de Vila Velha, dizem que mais de 90% dos moradores de rua usam o crack, e já não sabem mais separar o certo do errado.

"Se o dependente optou por morar na rua é porque ele perdeu a consciência, o respeito ao próximo, e só consegue pensar na próxima pedra que vai fumar. Ele só quer saber da droga, sendo capaz de colocar em risco a vida dele e a dos outros. Não podemos permitir que isso aconteça", defende Ledir Porto, secretário de Defesa Social de Vila Velha.

No Rio de Janeiro, onde a internação compulsória já funciona, as críticas são constantes. Mas a cidade mantém a decisão. Foi o grupo de abordagem aos moradores de rua quem percebeu que as pessoas encaminhadas para os abrigos da cidade, principalmente crianças e adolescentes, não ficavam nem uma semana longe das drogas. A solução foi mudar a abordagem e começar a interná-los à força, contra a vontade deles.

"O crack é uma droga que vicia muito rápido. Se desvincular dele por livre e espontânea vontade é muito difícil. Hoje não temos a garantia de que ninguém vai retornar às drogas, mas também não dava certo levar os moradores aos abrigos e permitir que eles decidissem se continuariam ou não no tratamento. Tomamos essa medida para garantir a vida e a integridade física dessas pessoas", defende o secretário municipal de Assistência Social do Rio, Rodrigo Bethlem.

 
Vila Velha
No Espírito Santo, Vila Velha espera fazer o mesmo. Até agora a cidade fez uma operação, retirando 22 pessoas das ruas. "Doze estão em tratamento numa comunidade terapêutica, mas por vontade própria", frisa o secretário municipal de Defesa Social, Ledir Porto. Os demais voltaram às famílias, ao município de origem ou foram presos (estavam com mandados de busca e apreensão).

A intenção é começar a fazer internação compulsórias até o final deste ano. Em até 90 dias, a prefeitura vai garantir cerca de 100 vagas em comunidades terapêuticas, além de outras 30 vagas em uma unidade municipal, preparada para acolher, por 45 dias, os dependentes químicos encaminhados à força.

Para a psiquiatra Ana Cecília Marques, pesquisadora do Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Drogas (Inpad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a saída para o melhor tratamento, no Brasil, é por meio do Programa de Busca Ativa.

"Uma equipe profissional e treinada faz o trabalho de reconhecimento do morador de rua. Quem for criminoso é encaminhado à Justiça; quem tiver algum problema psiquiátrico recebe tratamento médico; e quem for dependente químico é internado, seja por vontade própria, após convencimento, seja compulsoriamente", explica a médica. O método é usado por países como Inglaterra, Holanda e Canadá. "E cabe perfeitamente no Brasil", frisa ela.


foto: Ricardo Medeiros
Roselene Ferreira da Silva, recebeu uma carta emocionante da filha que é viciada em crack - Editoria: Cidades - Foto: Ricardo Medeiros
Persistência
"Hoje minha filha vai para onde eu for"

Rosilene Ferreira da Silva, 51 anos, mãe de Úrsula, viciada em drogas

"Nem sei mais quantas vezes internei minha filha. Em todas eu pedi ajuda à Justiça; nunca havia vagas. Na última vez, ficou internada por quatro meses, até parar de tomar os medicamentos, por estar grávida e, assim, voltar a usar. Agora, mora comigo, grávida de oito meses; e vai para onde eu for. Depois de o bebê nascer, volta para o tratamento."

Conselho de Medicina quer padronizar o tratamento

O Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou, ontem, um protocolo de assistência a usuários e dependentes de crack. O documento, disponível no site do órgão (portal.cfm.org.br), traz orientações e indica, por exemplo, o encaminhamento que deve ser dado aos usuários de crack no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A entidade ainda mantém o site www.enfrenteocrack.org.br, indicando locais de internação em todo o país

Fonte: A Gazeta

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