sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ENTREVISTA DE EVERARDO MACIEL,ARISTIDES JUNQUEIRA E IVES GANDRA.

“Os primeiros seis anos e meio do governo Lula foram de um democrata. Desde o desastrado episódio de Honduras e de apoio ao ditador do Irã, houve uma guinada do governo para alinhar-se com os países que estão se afogando nos pântanos das sandices de histriônicos tiranetes. Inclusive, só para registro, foi inacreditável o que este senhor disse na ONU na quinta-feira passada. Perante a história, portanto, principia a desfigurar-se a imagem do presidente Lula. O que a sociedade temia no início do primeiro mandato e não aconteceu, tornando, pois, o governo do PT bem-sucedido, começa, todavia, a ocorrer agora, em que o presidente Lula vai se tornando um mero acólito de Chávez“. – Ives Gandra Martins


“A América Latina sempre se sujeitou a ondas de atraso: umas, totalitárias; outras, populistas. Essas ondas são passageiras, ressalvado o caso de Cuba, que é a única experiência duradoura de totalitarismo conjugado com populismo. Já agora há uma tentativa de disseminar, de forma dissimulada ou mitigada, o vetusto modelo cubano, no qual já nem mesmo os irmãos Castro acreditam. O modelo inclui, preliminarmente, a adoção de programas populistas com o objetivo de cooptar as massas pobres, vítimas de uma contínua e injusta desatenção governamental, para em seguida garrotear os Poderes Legislativo e Judiciário e, por fim, subjugar a imprensa”. – Everardo Maciel

“Quando o marketing político tem como destinatários eleitores que não têm o amadurecimento a que me referi na pergunta anterior, a resposta é sim. Mas para os “blindados” com uma educação ética individual, familiar e social, ou seja, para os que têm sólida educação cívica, a resposta é não. Infelizmente, entre nós, parece que grande parte de nossos concidadãos ainda faz do voto uma moeda de troca de pequenos favores“. – Aristides Junqueira Alvarenga

Leia na integra.

Marcone Formiga – Como os senhores vêem a ofensiva do presidente Lula contra a imprensa?

Ives Gandra Martins – Lamentável! Não faz jus ao seu perfil de antigo defensor do Estado democrático e um dos artífices da saída do país do regime de exceção. Espero que se arrependa e volte atrás.

Everardo Maciel – Com muita preocupação, ainda que se saiba, por suas próprias palavras, que Lula é uma metamorfose ambulante. A liberdade de expressão é um dos pilares do estado democrático de direito.

Aristides Junqueira Alvarenga – Primeiramente, sinto-me frustrado por não ter sido convidado a assinar o manifesto lido pelo doutor Hélio Bicudo em frente à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, mas concordo com o seu “int”. Qualquer conduta, seja de quem for, contra a liberdade de imprensa é atentatória à Constituição da República Federativa do Brasil. Muito mais grave é a ofensa quando se trata do chefe do Poder Executivo.

– Há algum sentido no fato de ele afirmar que a imprensa não é formadora de opinião?

Ives Gandra Martins – À evidência, não é a imprensa quem forma a opinião. A imprensa é apenas uma caixa de ressonância das opiniões da sociedade, inclusive daqueles denominados de formadores de opinião, que são poucos.

Everardo Maciel – É certo que a opinião não se faz apenas por meio da imprensa. Desconhecer, contudo, seu papel na formação da opinião pública é supina ignorância ou destempero verbal inapropriado para um Chefe de Estado.

Aristides Junqueira Alvarenga – Ninguém pode negar que a imprensa, seja escrita, eletrônica, falada e televisiva, é o principal meio de formação da opinião pública.

– As evidências mostram que o propósito do presidente é controlar os meios de comunicação, restringindo a liberdade de expressão. Isso é compatível com uma democracia?

Ives Gandra Martins – Pelo Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), assinado pelo presidente em fins de 2009, havia nítida tendência ao controle da imprensa, como ocorre nas republiquetas bolivarianas. Certamente, sem imprensa livre, não há democracia. Lamento, pois, que um antigo defensor da democracia tenha enveredado por este caminho de não convivência com as críticas, principalmente quando embasadas em fatos incontestes.

Everardo Maciel – Já vi várias iniciativas no atual governo com o propósito da policiar a imprensa. Felizmente, nenhuma delas prosperou. Percebe-se, entretanto, que o assunto não está encerrado. É necessário, portanto, forjar uma consciência nacional que resista a qualquer tentativa de restringir a liberdade de expressão.

Aristides Junqueira Alvarenga – Não posso acreditar que um chefe de governo, que é, ao mesmo tempo, chefe de um Estado constitucionalmente democrático, possa querer restringir a liberdade de expressão de quem quer que seja. É certo que a liberdade de expressão está necessariamente ligada à responsabilidade pelos possíveis excessos decorrentes de tal liberdade. Esta se afere posteriormente ao exercício da liberdade de expressão pelo cidadão, jamais previamente. Trata-se de postulado constitucional com relação ao qual não se pode transigir: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5, inciso IX, da Constituição da República). É, pois, evidente que qualquer restrição à liberdade de expressão é conduta atentatória ao regime democrático.

– Por que os maiores países da América Latina estão se empenhando em cercear a liberdade de imprensa?

Ives Gandra Martins – A esquerda radical é incompatível com a democracia. Muitos desses países estão sendo dominados por aprendizes de ditadores. Espera-se que uma esquerda mais inteligente oponha-se, além da sociedade não “esquerdizada”, que sempre é contra qualquer ditadura.

Everardo Maciel – A América Latina sempre sujeitou a ondas de atraso: umas, totalitárias; outras, populistas. Essas ondas são passageiras, ressalvado o caso de Cuba que é a única experiência duradoura de totalitarismo conjugado com populismo. Já agora há uma tentativa de disseminar, de forma dissimulada ou mitigada,o vetusto modelo cubano, no qual já nem mesmo os irmãos Castro acreditam. O modelo inclui, preliminarmente, a adoção de programas populistas com o objetivo de cooptar as massas pobres, vítimas de uma contínua e injusta desatenção governamental,para em seguida garrotear os Poderes Legislativo e Judicial e, por fim, subjugar a imprensa. A Venezuela é o exemplo mais visível dessa nova onda. Na Argentina, o governo do casal K tem exercido pressão máxima contra a imprensa, fazendo uso da denunciação caluniosa e até mesmo da coação por intermédio da administração fiscal (a designação de duzentos fiscais para fazer “auditoria” em El Clarín é marca imbatível de abuso de autoridade, em matéria fiscal).

Aristides Junqueira Alvarenga – Todo cerceamento à liberdade de imprensa, principalmente por parte de governantes, revela despotismo, conceituado o termo como poder absoluto e arbitrário ou sistema de governo que se funda no poder de dominação sem freios. E é inquestionável que a imprensa é eficiente freio ao despotismo. Qualquer governante que tente cercear a liberdade da imprensa está a revelar sua vocação de déspota.

– Seria uma influência dos irmãos Castro ou de Hugo Chávez?

Ives Gandra Martins – Sem dúvida alguma. Os fracassos econômicos de Cuba e Venezuela, nas mãos de Fidel e Raúl Castro e de Chávez, não estão servindo de lição. É de se lembrar que Venezuela e Cuba vão muito mal economicamente, e Chile, que não tem um governo de esquerda, vai muito bem. Basta comparar.

Everardo Maciel – Sem dúvida. O Coronel Chávez se inclui na fauna dos conhecidos “gorilas” latino-americanos, desta feita com pretensões caudilhescas. Buscou legitimação perante a velha esquerda, ao devotar religiosa submissão aos irmãos Castros. O preço da legitimação foi o fornecimento de petróleo a preços generosos, com o objetivo de dar sobrevida à falida economia cubana. A “ampla” liberdade de imprensa existente em Cuba e na Venezuela passou a servir de modelo para diversas agremiações políticas latino-americanas.

Aristides Junqueira Alvarenga – É possível, ou melhor, provável.

– Existe democracia sem imprensa livre?

Ives Gandra Martins – Jamais! A imprensa representa os pulmões da sociedade.

Everardo Maciel – Claro que não.

Aristides Junqueira Alvarenga – Absolutamente, NÃO.

– Alexis de Tocqueville afirmou que, muitas vezes, o excesso de liberdade só pode ser eficaz com mais liberdade, porque a sociedade se auto-ajusta. Os senhores concordam?

Ives Gandra Martins – Plenamente de acordo.

Everardo Maciel – Os limites da liberdade são aqueles estabelecidos na Constituição, perante a qual não existirão excessos, nem déficits.

Aristides Junqueira Alvarenga – Tratando-se de liberdade de imprensa, esta há de ser plena e não se pode falar em excesso de liberdade. O que pode haver é excesso no exercício dela, e este pode ser judicialmente sancionado a posteriori por iniciativa daquele que se julgar ofendido.

– O amadurecimento da democracia irá permitir que a população, mediante o voto, separe aquele que é bom candidato do que será um bom presidente ou um bom governador?

Ives Gandra Martins – No tempo, sim. O aprendizado da democracia é lento e, muitas vezes, penoso, principalmente quando se utiliza dinheiro dos contribuintes para maciça propaganda oficial. O amadurecimento, todavia, é conquistado pela comparação entre as experiências passadas.

Everardo Maciel – Em tese, sim. Há, todavia, fatores que perturbam gravemente o exercício da democracia pelo voto: o poder econômico, o uso ilícito do Estado, a intervenção política de instituições religiosas, a abusiva participação de sindicatos e de movimentos ditos sociais, a proliferação de legendas de aluguel, as deformações associadas a um sistema eleitoral obsoleto e insubsistente. Infelizmente, a realidade mostra que, no Brasil, tem havido uma expressiva e contínua perda na qualidade da representação popular e dos governantes. Vejamos o caso do candidato Tiririca, cuja campanha, sob o olhar indiferente do Ministério Público, é um deboche contras as instituições republicanas. Sua provável votação expressiva é uma manifestação explícita de descrédito dos eleitores na representação popular e resultará na eleição de vários outros parlamentares integrantes de sua coligação nas eleições proporcionais, por conta dessa excêntrica regra eleitoral brasileira.

Aristides Junqueira Alvarenga – Democracia é governo do povo representado pelos seus escolhidos. Quanto mais o povo amadurecer, melhor será a escolha de seus representantes. Aqui, o conceito de amadurecimento há de ser melhor educação ética individual, familiar e social de cada eleitor.

– Qual é a opinião de vocês sobre o marketing político? É capaz de criar ou falsificar candidatos?

Ives Gandra Martins – Sim. Em meu livro “Uma breve teoria do poder” (Edição Revista dos Tribunais), debruço-me longamente sobre o tema e sobre a produção de marionetes pelos marqueteiros.

Everardo Maciel – A veiculação das idéias dos candidatos é indispensável à democracia moderna. O marketing político, entretanto, tem sido mero instrumento de dissimulação, produzindo não raro situações caricatas ou farsescas.

Aristides Junqueira Alvarenga – Quando o marketing político tem como destinatários eleitores que não têm o amadurecimento a que me referi na pergunta anterior, a resposta é sim. Mas para os “blindados” com uma educação ética individual, familiar e social, ou seja, para os que têm sólida educação cívica, a resposta é não. Infelizmente, entre nós, parece que grande parte de nossos concidadãos ainda faz do voto uma moeda de troca de pequenos favores.

– Quando o presidente Lula se elegeu pela primeira vez, a impressão que prevalecia era que o PT iria levar o país a entrar em uma inquisição xiita insuportável. Não aconteceu isso. Ele mudou para o estilo Hugo Chávez?

Ives Gandra Martins – Os primeiros seis anos e meio do governo Lula foram de um democrata. Desde o desastrado episódio de Honduras e de apoio ao ditador do Irã, houve uma guinada do governo para alinhar-se com os países que estão se afogando nos pântanos das sandices de histriônicos tiranetes. Inclusive, só para registro, foi inacreditável o que este senhor disse na ONU na quinta-feira passada [Ives Gandra refere-se ao discurso de Mahmoud Ahmadinejad, proferido no dia 23, na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, no qual o presidente iraniano afirmou que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram um “complô” dos Estados Unidos. A declaração de Ahmadinejad provocou a saída imediata das delegações americana, britânica e da União Europeia do plenário da ONU]. Perante a história, portanto, principia a desfigurar-se a imagem do presidente Lula. O que a sociedade temia no início do primeiro mandato e não aconteceu, tornando, pois, o governo do PT bem-sucedido, começa, todavia, a ocorrer agora, em que o presidente Lula vai se tornando um mero acólito de Chávez.

Everardo Maciel – A impressão que tenho é que ele está em um processo acelerado de descontrole, em virtude da perspectiva real de afastarse do poder. Sua baixa auto-estima, que pretende compensar com uma conduta mitômana e autorreferida, e suas deficiências intelectuais não lhe oferecem condições para entender que o poder pessoal, em uma democracia, deve ser necessariamente transitório.

Aristides Junqueira Alvarenga – Minha percepção é a de que as posições do PT nos governos anteriores – em que o partido era oposição – e até mesmo na Constituinte eram completamente contraditórias com as condutas do PT de hoje, governista, condutas essas que, de fato, são muito semelhantes aos comportamentos dos governos a que o PT se opunha. O que não se pode admitir é a prepotência, que não se coaduna com o regime democrático.

– A democracia é melhor dentro do mais complexo e do pior panorama político?

Ives Gandra Martins – A democracia, apesar de todos os seus defeitos, ainda é o regime político menos ruim.

Everardo Maciel – É a melhor opção conhecida.

Aristides Junqueira Alvarenga – A democracia é melhor quando o povo é cada vez melhor no processo de escolha de seus representantes, seja na chefia do Poder Executivo, seja, principalmente, na órbita do Poder Legislativo.

– Outro problema do país é a violência, uma vez que o crime organizado avança cada vez mais. Afinal, o Estado está perdendo essa guerra?

Ives Gandra Martins – Não só o Brasil, mas o mundo todo. Creio que a perda de valores religiosos e familiares, em todo o mundo, tem levado as pessoas a procurar vantagem em tudo. Por outro lado, a perda dos referenciais familiares tem também propiciado o avanço da deterioração dos costumes e das drogas, porque está gerando um comércio mundial de fantástica ilegalidade e força, propiciando a manutenção do crime organizado, que utiliza os viciados como peões de um jogo de xadrez. Se não reconquistarmos os valores superiores das religiões e da família, a batalha será difícil de ser ganha.

Everardo Maciel – Está perdendo, de forma clamorosa. O mais grave é que não se vislumbra nenhuma iniciativa dos Poderes Públicos, com aparência mínima de inteligência, visando enfrentar o crime organizado, o tráfico de drogas, a delinqüência juvenil e tudo o mais que oferece substrato para a violência, que transformou importantes espaços urbanos brasileiros em verdadeira selva selvaggia.

Aristides Junqueira Alvarenga – Está. Um dos fatores é a excessiva demora da resposta estatal, por meio de um processo penal complexo, lento e ineficiente, com um sistema de cumprimento de pena privativa de liberdade que faz de nossos estabelecimentos penais verdadeiras sedes de organizações criminosas. Outro fator é a ineficiência das forças de segurança pública, principalmente quando se trata de coibir a posse, o porte e o uso ilegais de armas de fogo. Entre muitos outros fatores, não se pode esquecer que muitas organizações criminosas encontram parceria no seio da própria organização do Estado, por ação ou por omissão. Afinal, quantos conglomerados humanos, entre nós, não têm a presença efetiva do Estado?

– Por que a distribuição de renda também continua desigual, apesar de todas as mudanças que ocorreram nas últimas décadas?

Ives Gandra Martins – Continua desigual porque os 35% de carga tributária do Brasil (elevadíssima para um país que não presta serviços públicos à altura) vão quase todos para os detentores do poder. Pouco mais de um milhão de servidores ativos e inativos da União receberão, em 2010, quase R$ 200 bilhões de subsídios, enquanto quase 12 milhões de famílias receberão apenas R$ 12 bilhões pelo programa Bolsa Família. Quando se fala em distribuição de renda por tributos, esta distribuição é “pro domo sua” [ou seja, “em causa própria”]. Beneficia quase que exclusivamente os detentores do poder.

Everardo Maciel – A estabilidade financeira e os programas de transferência de renda se revelaram bons instrumentos para reduzir as desigualdades sociais. São, contudo, insuficientes. Os programas de transferência de renda resultarão inócuos se não estiverem associados a ações visando a promoção social dos beneficiários e sua inclusão no mercado formal de trabalho. De resto, não há como pensar em mudanças estruturais no perfil das desigualdades sociais sem uma política educacional vigorosa e consistente – matéria na qual estamos muito longe de alcançar um patamar minimamente aceitável.

Aristides Junqueira Alvarenga – Porque desiguais são as oportunidades e a qualidade de educação escolar e cultural dos brasileiros.

– Agora é a vez de Karl Marx: ele afirmava que as mudanças materiais e de valores sociais são mais lentas do que as alterações estruturais. Os senhores concordam ou não e por quê?

Ives Gandra Martins – Marx foi um gênio que nunca teve razão. Sem valores, as mudanças sociais e estruturais não se dão. Veja o fracasso de todos os países da Cortina de Ferro na segunda metade do século XX. Quando os fins justificam os meios e os meios são usados sem valores, jamais os fins são alcançados. A inexistência da ética nos meios, para a obtenção dos fins, contamina os próprios fins, que passam a ser necessariamente aéticos.

Everardo Maciel – Caminhar em direção à civilização é um processo longo e exigente.Lamentavelmente,vivemos uma crise axiológica, em que os poucos valores que construímos ao longo da história estão se decompondo, em razão de um acentuado relativismo moral combinado com a banalização de práticas delituosas ou pouco virtuosas.

Aristides Junqueira Alvarenga – Não há dúvida de que são lentas as mudanças, para melhor, dos valores sociais. Por outro lado, sua deterioração parece ser mais rápida. Em um mundo de consumo de valores materiais cada vez mais sedimentados, valores éticos e sociais se mostram cada vez mais definhados. Valores como o da vida, principalmente o da vida humana, são abatidos por um par de tênis, por um automóvel, por pouco ou muito dinheiro. O mais espantoso é que a habitualidade desses fatos já não mais produz indignação nem consciência de que urge mudar.

Fonte: http://bit.ly/b2Uec4

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