domingo, 25 de julho de 2010

BRASILEIROS ESQUECIDOS.

Na zona rural de Pancas, a reportagem percorria uma estradinha de terra batida que corta uma grande propriedade, no Córrego do Gambá, quando um casebre de madeira à beira da picada nos deteve. A princípio, o que chamou a atenção foram as bandeirolas de plástico em verde e amarelo tremulando timidamente na cerca de arame farpado. Mas, como logo vimos, as bandeirolas contrastavam ironicamente com o interior da moradia. Ao contrário do que elas indicavam, ali não habita a alegria, mas o sofrimento de uma família miserável, como tantas outras da região. Ali vivem, ou melhor, sobrevivem, em condições absolutamente precárias, Elvira da Conceição e seu filho Sebastião.


A casa, construída e emprestada pelo proprietário, está em tal estado de decomposição que corre o risco de soterrá-los a qualquer momento. Todo o consumo de energia da família se resume a duas lâmpadas e uma geladeira. Mesmo assim, eles são obrigados a pagar R$ 25,00 de eletricidade, todo santo mês, diretamente ao fazendeiro, que se encarrega de fazer a cobrança no lugar da Escelsa. Eles não fazem a menor ideia de quanto consomem por mês. Água? “Tem que subir o morro para buscar.” Banheiro? “Tem que ir nos matos, chovendo.”

Depois de anos de trabalho na lavoura dos outros, Dona Elvira, 65 anos, sofreu um derrame que lhe tolheu boa parte dos movimentos. Hoje, passa os dias sentada no banquinho junto ao fogão à lenha, de onde tem a vista estática que a janela da cozinha lhe proporciona.

“Eu, se tivesse condições, já tinha alugado uma casa no centro, mas, com o dinheirinho que recebo, só dá para comprar um remedinho”, contou ela, que, sem poder se locomover direito, não vai votar nas eleições de outubro. Sem acesso a meios de comunicação, também não vai poder se informar sobre os candidatos. Mas e se pudesse falar com o próximo governador? O que ela gostaria de pedir? “Tratamento, remedinho, saúde, pelo menos um banheirinho...”

Sebastião

Octogenário, o marido de Dona Elvira trabalhava na “lavra” – aquela era uma região de extração de pedras preciosas, como águas marinhas. A idade, a saúde debilitada ao longo dos anos de garimpo e o escasseamento das pedras o levaram a deixar a atividade. A renda da família, então, fica toda nas costas de Sebastião. Aos 34 anos, ele se desdobra entre os cuidados com a mãe e a labuta na roça do “patrão”.

Como meeiro, Sebastião trabalha para o dono das terras e para si mesmo. Mas o trabalho na roça do proprietário vem em primeiro lugar. Pela labuta de cada dia, sem carteira assinada ou qualquer direito trabalhista, ele recebe uma diária de R$ 10,00 – quando o normal, segundo o sindicato dos produtores rurais de Pancas, seria R$ 30,00 por dia. No pouco tempo que lhe sobra, trabalha em um pequeno roçado que o “patrão” lhe permite cultivar. Mas metade de tudo o que ganha com a venda da parca produção fica nos cofres do fazendeiro.

“É muito pouco que dá, moço. Não dá para tirar nada no fim do mês”, lamentou o agricultor, que “gostaria demais” de ter o próprio lote e a própria casa.

Valdineia reclama: “Aqui precisamos de tudo”

Com um filho de um ano no colo e grávida do segundo, Valdineia Pereira Rosa, 32, se preocupa com as crianças no bairro Nilton Sá, em Pancas. “Aqui precisamos de tudo. As ruas não têm calçamento, tem muita poeira e pernilongos. As crianças ‘vevem’ gripadas. Esse trem é uma bagunça. E os políticos só vêm aqui na época da política (isto é, das eleições)”, reclama ela. Outro problema que aponta é o difícil acesso à Saúde Pública. “Meu parto foi natural, mas, se você precisar de cesariana, tem que ir para Colatina.”

Índice de pobreza

O critério adotado para a escolha das cidades que fazem parte da série foi o índice de incidência da pobreza, calculado pelo IBGE com base em informações do Censo do ano 2000 cruzadas com as da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002/2003.

Esse foi o dado mais recente e confiável encontrado para se medir a pobreza específica de cada município brasileiro. Para efeito de comparação, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) mais recente, calculado pela ONU, data do ano 2000.

É importante ressalvar que, em 2003, o atual governo estava apenas começando e, desde então, obteve avanços na erradicação da pobreza. Mas, como a série se propõe a mostrar, os desafios persistem.

Entre os municípios mais pobres, estão Mantenópolis (2º) e Pancas (13º).

José quer mais atenção aos agricultores

Aos 70 anos, Seu José Moreira – morador de um assentamento do governo federal em Pancas – cansou-se da vida de meeiro, condição em que trabalhou por décadas na fazenda de uma família tradicional da região. “Nossa vida era um aperto. Tinha que trabalhar todo dia de sol a sol. Precisava fazer o dele e o nosso, e não era dono de nada.” Hoje ele só cultiva a sua terra, plantando e vendendo café, que este ano, reclama, não atingiu um bom preço. “Não dá pra fazer muito dinheiro, só uns R$ 2 mil por ano. Para quem não tem dinheiro, você sabe, a coisa é difícil. É com a forcinha que Deus dá. Lutamos muito”, enfatiza ele, que enche a boca para dizer: “Sou capinador mesmo”. E, com todo esse orgulho, sua grande preocupação política só poderia mesmo dizer respeito aos agricultores como ele. “Precisamos saber quem são os candidatos. Nosso medo é que venha um que não olhe para os agricultores.”

Locais sem eletricidade e sem água encanada

Quando a reportagem esteve em sua “casa” – na verdade, uma barraca de lona –, João Ladir, 63 anos, vestia uma camisa de futebol, traindo sua grande paixão. No entanto, em plenos dias de Copa do Mundo, o agricultor não conseguia ver os jogos. “Só pelo radinho de pilha.” Desde 2006, ele vive como um eremita em uma clareira no meio da mata, a 12 quilômetros do centro de Pancas. O terreno na Cabeceira de São José foi desapropriado pelo governo federal. Mas ali ainda não chega eletricidade, muito menos água encanada, só mesmo um filete d’água onde ele lavava as roupas.

Mesmo assim, Ladir prefere esperar o financiamento do governo para construir a própria casa e cultivar a própria terra. Das 32 famílias originais no terreno, só restaram seis. Enquanto a verba não chega, ele vai “levando” como todo mundo: “panhando” café em uma fazenda, a 1h20 de sua casa. Todo dia, faz o caminho a pé. “Trabalho aqui é difícil”, afirma.

Em Mantenópolis, o lavrador José Nilson vive situação parecida. “Não acho serviço. A região é ruim demais. Os proprietários dão conta. Estou aqui porque ganhei um lote, mas não gostei, não. A gente tem a terra, mas não tem estrutura. Procuro aqui e ali e, quando acho, é trabalho de dois dias”, reclama, com mulher e dois filhos pequenos para sustentar.

“Para os políticos, isso aqui não existe”

Em Pancas e Mantenópolis, a economia está no campo, mas quem não tem o próprio quinhão de terra acaba se instalando na área urbana, dando origem a autênticos bairros periféricos, por menor que seja a cidade.

É o caso do bairro Nilton Sá, logo à entrada de Pancas. É difícil saber por onde começar a enumerar os problemas, mas a líder comunitária Ediane Costa, 32, resume. “Para os políticos, isto aqui não existe. É um lugar isolado.” Ela diz que gostaria de conversar com o próximo governador sobre o bairro. “Diria para olhar a comunidade. Tem gente vivendo aqui. Mas é como se estivéssemos esquecidos, como se não existíssemos. Estamos presos dentro de um chiqueiro.”

De fato, as ruas ali não têm calçamento, e a rede de esgoto desemboca em um terreno no centro do próprio bairro. Ediane recorda que, há alguns meses, o governador lá esteve para a inauguração do Centro de Referência de Assistência Social. Segundo ela, nesse dia (e só nesse dia), a prefeitura maquiou o estado das ruas esburacadas.

Sem saber que haverá eleições em outubro, Maria Helena Alberto, 53, fez coro com a vizinha. “O município é muito pequeno. Mas por isso mesmo é que seria mais fácil resolver os problemas. O povo deveria tomar vergonha e votar em quem tem interesse. A gente só existe na época da eleição.”

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