sábado, 24 de julho de 2010

NO BRASIL IMPÉRIO, DEPUTADOS DAVAM AS COSTAS PARA ELEITORES.

Rosane Soares Santana








Violência e fraude nas eleições e "partidos oficiais" foram fenômenos políticos típicos do século XIX, no Brasil, que podem explicar a falta de compromisso dos parlamentares com os eleitores. Com o processo eleitoral controlado pelos chefes locais, delegados de polícia, juízes de paz eleitos pelo voto popular - geralmente grandes proprietários de terra - e pelo presidente da Província, nomeado pelo Governo Central, as eleições eram um "produto meramente oficial", segundo o deputado carioca Francisco Belisário Soares de Souza, testemunha da época.

"Os candidatos não se preocupam com os eleitores, mas com o governo, cujas boas graças solicitam e imploram", escreveu Belisário ("O Sistema Eleitoral do Império"), para explicar um fato observado posteriormente por vários estudiosos, como a historiadora Katia Mattoso, no livro "Bahia Século XIX - uma província no Império", em que analisa, entre outros aspectos, a elite baiana, a mais importante elite política do Brasil oitocentista.

O Diário da Bahia, porta-voz dos líderes rebeldes da Sabinada - movimento de reação à política tributária da Corte, no Rio de Janeiro, e à deterioração das condições materiais da população baiana na época -, em sua edição de 23 de novembro de 1837 investia contra os impostos, denunciava as precárias condições do comércio e da agricultura e apontava "a administração dos baxás" (bacharéis) - maioria dos deputados da Assembleia Provincial da Bahia - como a "facção governista".

"(...) Vejam-se as sanguinárias leis de impostos, os saques, e ressaques da corte sobre o nosso tesouro, a perseguição da nossa lavoura, e comércio, o desprezo insultante para a briosa classe militar, as nossas fortificações, os meios de defesa todos perdidos, as fortalezas de propósito arruinadas, os empregos de nomeação central postos em público mercado, a prostituição nos tribunais, nas repartições de fazenda, tudo finalmente desbaratado e entregue à administração dos baxás, à imoralidade, à traição, à facção governista (...)".

Assembleia Governista

Na Assembleia Provincial da Bahia, durante a Regência (1831-1840), período em que ocorreu a Sabinada, 55,5% das 108 cadeiras do novo Poder Legislativo foram ocupadas por deputados bacharéis. Eles estavam estreitamente vinculados à burocracia governamental, inclusive compunham seus quadros como estratégia para controlar a máquina administrativa, da qual dependiam para o enfrentamento das pressões inglesas contra o tráfico, sendo favoráveis à maior centralização, à manutenção da velha ordem monárquica e suas estruturas, a exemplo do Senado vitalício e o Conselho de Estado.

Entre os bacharéis estava Miguel Calmon, ministro da Fazenda do Império, que comandou a ofensiva contra os sabinos, mandando cortar a arrecadação de rendas aos rebeldes e fechar o cerco ao governo provisório instalado em Salvador. Os sabinos identificavam os interesses da maioria dos deputados da Assembleia Provincial da Bahia como vinculados ao Governo Central.

Entre os revoltosos, entretanto, estavam alguns deputados vinculados à corrente liberal, defensora da nacionalização do comércio e insatisfeita com os ingleses, como ocorrera na Revolução Pernambucana de 1817.

Entre eles, o deputado João Carneiro da Silva Rego, negociante de gado em Feira de Santana, segunda vila mais importante da Província. Os deputados João Gonçalves Cezimbra, ex-presidente da Província e grande comerciante de Salvador; os médicos João Antunes de Azevedo Chaves e José de Aragão e Ataliba, professores da Faculdade de Medicina da Bahia. O deputado João Carneiro foi indicado presidente da República independente de Francisco Sabino Vieira, líder da revolução.

À exceção do grupo liberal, minoritário, a atuação da Assembleia Legislativa da Bahia, especialmente dos deputados bacharéis, confirma a tese de que, depois de eleitos, os parlamentares davam as costas para os eleitores. O Legislativo baiano era dominado por conservadores voltados para a sustentação da política centralizadora do Governo Central encabeçada pelos barões do café, quando a economia açucareira entrava em declínio.

Relações econômicas, sobretudo, ligavam a Bahia ao Rio de Janeiro, principais regiões agroexportadoras do Brasil, cujas capitais possuíam uma função portuária e administrativa para dar suporte aos negócios de importação e exportação e ao tráfico de escravos. Desde a Independência, proprietários baianos vinculados a grupos conservadores, muitos deles investidos de mandados provinciais, alinhavam-se com os interesses da Corte.

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