domingo, 25 de julho de 2010

OS EXCLUIDOS DA POLÍTICA.

A estrada que conduz a Pancas e Mantenópolis, na divisa com Minas Gerais a Noroeste do Estado, revela uma das maiores belezas naturais do Espírito Santo – uma pausa nas infindáveis fileiras de plantações de café que dominam a paisagem. São os pontões rochosos, cadeia de pedras agudas que se elevam ao céu como se fossem os dedos de Deus. Na terra, porém, quando se chega a essas cidades, a beleza dá lugar à pobreza, e percebe-se que o dedo do poder público não está exatamente apontado para aquela direção.


Pancas e Mantenópolis fazem parte do grupo de municípios mais pobres do Espírito Santo, tomando por base o índice de incidência da pobreza calculado pelo IBGE. Incluindo essas duas, A GAZETA visitou seis cidades situadas nesse grupo, em três viagens realizadas entre junho e o início de julho, quando a campanha ainda não tinha começado efetivamente.

O material colhido nas viagens alimenta a série “Desafios do Espírito Santo”, que tem início hoje, seguindo amanhã e no próximo domingo. Em cada cidade visitada, a reportagem ouviu relatos das pessoas que mais carecem de políticas sociais e serviços públicos básicos como Saúde, Segurança, Educação, geração de emprego e renda e incentivo à agricultura familiar.

Por meio da série, portanto, A GAZETA buscou identificar as necessidades dos “esquecidos” – definição usada pela moradora de Pancas Ediane Costa – e mostrar o que esses eleitores esperam dos próximos governantes, o que acham que devem priorizar ao olhar para aquelas regiões – um Espírito Santo diferente, que poucos devem conhecer.

Relativamente recentes e com população muito pequena, esses municípios estão longe de ser “autossustentáveis” do ponto de vista econômico. Suas receitas próprias são baixas, em termos absolutos e per capita. Suas prefeituras dependem fundamentalmente dos repasses dos governos federal e estadual para manter os serviços básicos oferecidos à população ou investir em melhorias estruturais. Quando se imerge na realidade local, fica fácil entender o porquê: a economia regional é muito pobre, o que fatalmente condena a maioria dos moradores ao mesmo adjetivo.

Dependência

No caso de Pancas e Mantenópolis, as lavouras de café determinam não só a paisagem, mas também a economia da região, baseada exclusivamente na produção e comércio do produto-rei capixaba. Não há uma fábrica sequer. O café é tão emblemático que está até nas bandeiras dessas cidades. A baixa diversificação econômica reduz as opções de trabalho a uma só para a população mais humilde: colher café nas terras dos grandes proprietários, sujeitando-se a subempregos e relações trabalhistas que, em alguns casos, remetem aos tempos feudais.

Lorentina e José: filhos foram embora do país

Morando há 20 anos em Mantenópolis, os aposentados José de Souza Filho (70) e Lorentina Maria de Souza (61) ilustram outra situação muito corriqueira em Mantenópolis. Devido à carência de oportunidades, a cidade que “invade” o território mineiro vem se convertendo numa “Valadares capixaba”. Sem perspectiva de futuro, muitos jovens preferem ir ganhar a vida como imigrantes ilegais na Europa ou nos Estados Unidos, destino de três de seus 12 filhos e, mais recentemente, três netos. Os filhos mandavam dinheiro para que ele construísse as suas casas. “Muita gente aqui faz isso.”

Na pobreza absoluta

950 mil capixabas

Segundo o Ipea, esse era o número de pessoas vivendo assim no Estado, em 2008.

Na pobreza extrema

314 mil capixabas

Era o número de pessoas vivendo assim no Estado em 2008, ainda segundo o Ipea.

O sonho de trocar a lavoura pelo emprego fixo

Na fábula da formiga e da cigarra, a primeira trabalhava intensamente nos meses de “colheita” e estocava mantimentos para aguentar os meses de inverno. Em Mantenópolis, a reportagem descobriu que a vida proporciona uma encenação real da história, comum a muitos trabalhadores rurais e exemplificada pelo casal Elson Amâncio, 50 anos, e Aparecida Amâncio, 45. Como quase todos os moradores do bairro Bela Vista – um dos mais pobres da zona urbana –, eles trabalham como “diaristas” durante a colheita do café.

Sem emprego fixo, Elson só trabalha nas fazendas de café. Nas entressafras, faz uns “servicinhos” – capina e “cova” para plantar as sementes. Mas dinheiro mesmo só é possível fazer durante a colheita, que dura no máximo quatro meses por ano. E é aí que a fábula se concretiza. “É muito difícil. Na época da colheita, quando tem dinheiro, a gente faz as compras no atacado pro ano todo, de todos os mantimentos: seis sacas de arroz (60kg cada); uma saca de feijão (60kg); 100 litros de óleo.” E por aí vai.

“No resto do ano, a gente vai fazendo uns servicinhos, pagando contas de água e luz. Às vezes a gente compra fiado um remédio e fica devendo a farmácia, quando precisa, às vezes a gente passa sem”, explica o mineiro, morador de Mantenópolis desde os sete anos. Hoje ele pensa em fazer o caminho inverso. “Nós estamos arrasados aqui. Mantenópolis está péssimo, pelo amor de Deus. Aqui não tem nada. Dá até vontade de sumir deste lugar”, desabafa.

No mesmo bairro, em uma casinha verde e bem cuidada, a moradora Maria Francisca de Melo Silva, 36 anos, exibe, esticada na parede de sua sala, uma bandeira de Mantenópolis, mostrando a identificação com a cidade que escolheu para morar. Mas, sem deixar de lado a visão crítica, ela lista as medidas que considera necessárias por parte do governo. Ao lado de moradia e Educação, destaca exatamente as oportunidades de emprego.

“Principalmente para os jovens, quando chegam aos 16 anos, por causa das drogas, neste mundo em que a gente vive.”

A Gazeta.

3 comentários:

  1. Esta, infelizmnte, é a realidade do Brasil de verdade! A enorme contradição da extrema pobreza e falta de oportunidades com a fantástica riqueza e ampla diversidade existente em nosso país. Este é o resultado do coronelismo que massacra e escravisa, da falta do interesse politico e público. da realidade dos mandatos dos politicos da terra, que se elegem com os votos destes abandonados e infelizes brasileiros. temos que mudar isso e urgentemente!

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  2. pois é. cadê os governantes? se os jornalistas foram lá, pq o Estado ainda não chegou até estas pessoas?
    a resposta só pode ser esta: total omissão criminosa

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  3. Relativamente recentes e com população muito pequena, esses municípios estão longe de ser “autossustentáveis” do ponto de vista econômico. Suas receitas próprias são baixas, em termos absolutos e per capita. Suas prefeituras dependem fundamentalmente dos repasses dos governos federal e estadual para manter os serviços básicos oferecidos à população ou investir em melhorias estruturais. Quando se imerge na realidade local, fica fácil entender o porquê: a economia regional é muito pobre, o que fatalmente condena a maioria dos moradores ao mesmo adjetivo cruel. São tantos investimentos na região metropolitana e estes pequenos municípios ficam abandonados a própria sorte, de vez em quando eles aparecem jogando alguma migalhas, e infelizmente o povo ainda aplaude!

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