A campanha presidencial finalmente começou. Acabou a pasmaceira do primeiro turno. Agora é um combate franco entre duas propostas para o futuro do Brasil. O formato do debate do último domingo facilitou o confronto entre os candidatos. Algumas vezes, porém, pode até ter prejudicado a ampliação do leque dos temas a serem discutidos. Em alguns momentos, o programa ficou monotemático, ora a discussão era sobre a privatização, ora sobre o aborto. Os organizadores poderiam ter sugerido em cada bloco uma questão inicial para ser debatida entre os candidatos, deixando o restante do tempo livre para as perguntas entre eles. Dessa forma, os temas não contemplados acabariam sendo abordados e seria ampliado o leque de propostas discutidas.
Mesmo assim foi o melhor debate da eleição. Os ataques de parte a parte são absolutamente naturais. Eleição precisa ter situação e oposição. É uma obviedade, porém, no Brasil, dado o domínio exercido pelo PT e especialmente pelo presidente Lula, criticar o governo foi considerado algo temerário, perigoso. Temerário devido à popularidade de Lula, que foi superestimada pelos institutos de pesquisa. Se é exequível supor que o presidente é popular, é inimaginável que somente 4% da população achem ruim ou sofrível o governo.
Perigoso pois a crítica foi considerada um comportamento inadequado e que desagradaria ao eleitor. Ledo engano, como vimos após a abertura das urnas.
Com a finalização da disputa para os governos estaduais, nos maiores colégios eleitorais, a eleição presidencial acabou ficando solteira, independentemente das divergências regionais.
E isto é bom, pois valoriza os programas dos presidenciáveis e permitirá uma escolha mais ponderada por parte dos eleitores. Presidente não será somente mais uma escolha na cédula eletrônica: é a única na maioria dos estados.
Dessa forma o pleito acabou adquirindo autonomia e permitindo um reposicionamento dos eleitores. Isto pode favorecer o candidato José Serra, pois diminui o rolo compressor imposto pelo governo federal nos estados mais dependentes da União. Além disso, dificilmente o PMDB de Minas Gerais, Bahia ou Rio Grande do Sul vai fazer uma campanha entusiástica em defesa de Dilma Rousseff. As marcas e as mágoas da derrota são recentes e a neutralidade pode ser uma resposta.
Afinal, no cotidiano da pequena política, o que conta mesmo são as divergências regionais.
Foi necessário um recado explícito dos eleitores – afinal, a maioria dos votos, na eleição presidencial, foi para a oposição – para que ficasse claro que há um considerável espaço para o crescimento de uma candidatura oposicionista. Uma coisa é a avaliação do presidente, outra é a candidatura Dilma. Não há uma relação de absoluta transferência de votos de Lula para a sua candidata.
E seria um caso raríssimo na política mundial: um presidente, mesmo que bem avaliado, eleger uma quase desconhecida no cenário nacional, com a maioria absoluta dos votos, em um só turno.
O discurso lulista foi tão eficaz que pareceu uma surpresa o resultado da eleição do último dia 3. Tudo dava a entender que haveria somente um ato formal, meramente homologatório, do que já se sabia: Dilma seria a presidente do Brasil com uma votação consagradora. Muitos analistas – basta reler os jornais da última semana anterior à eleição – não só apontavam a fácil vitória de Dilma como já discutiam a composição do Ministério.
Agora estamos em um novo momento.
A eleição está indefinida. Somente o receio da derrota pode explicar a virulência de Dilma, no último debate, e a guerra estabelecida na internet. A empáfia foi substituída pela ameaça. E nos próximos 19 dias a campanha vai aumentar a temperatura como nunca na história deste país.
Tudo indica que Lula – que abandonou as funções presidenciais no último mês – percorrerá os principais colégios eleitorais do país, até às vésperas da eleição, intimidando, amedrontando a oposição e desenhando um cenário catastrófico para o país, caso Serra vença. Em cada discurso vai preparar as “deixas” para Dilma. Ele fará o trabalho considerado sujo e ela será encarregada de dar os arremates. Tudo o que não deveria fazer um chefe de Estado. Mas faz muito tempo que ele abandonou suas funções constitucionais para ser simplesmente o maior dirigente da campanha de Dilma.
Uma pergunta que fica é se o encanto do povo brasileiro com Lula está dando os primeiros sinais de esgotamento.
Sem ir para outros terrenos, na política o encantamento também tem prazo de validade.
MARCO ANTONIO VILLA. O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário