Está em risco o direito de cada um ao sigilo telefônico e à privacidade. A ameaça parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), criada para regular um serviço de utilidade pública e para proteger o consumidor, não para bisbilhotar a vida dos clientes das telefônicas. A Anatel pretende instalar um sistema de fiscalização remoto, vinculado à estrutura das empresas, para ter acesso a informações sobre todas as chamadas. O objetivo, segundo a agência, é combater abusos contra o consumidor. Não haverá violação de sigilo, argumentam os defensores da proposta, porque o conteúdo das conversas será preservado. Esta alegação é insustentável.
É direito de cada um telefonar a quem quiser, quantas vezes quiser e por quanto tempo quiser sem ter de dar satisfações a qualquer agente público ou privado. O mesmo direito vigora no caso de cada ligação recebida. Sem ordem judicial, ninguém pode intrometer-se legalmente na vida de João ou de Antônio para verificar se foi feita alguma chamada para o número desta ou daquela pessoa. Mesmo para a autorização judicial há regras. O juiz tem de avaliar se há motivo razoável para a solicitação da quebra de sigilo. Além disso, ele deve limitar a autorização a propósitos bem definidos e por prazo determinado, para evitar a concessão de poderes excessivos à autoridade policial.
Dados como os pretendidos pela Anatel - números chamados, duração das conversas e frequência das ligações - têm sido usados em investigações policiais. Podem valer como indícios e até como provas. Autoridades policiais pedem autorização para a busca dessas informações precisamente porque o acesso aos dados configura quebra de sigilo. Essa é a interpretação aceita pelas Polícias e pela Justiça.
É também, e não por casualidade, a opinião de advogados atuantes no setor de telecomunicações. Bastará o acesso da agência ao número chamado, à data e à duração do contato para ser configurada a violação de sigilo, disse o especialista Pedro Dutra. "Isso é ilegal, desnecessário e ineficaz", acrescentou.
A Anatel já tentou incluir em contratos de concessão uma cláusula de acesso aos dados, mas as companhias se opuseram, lembrou o advogado Floriano de Azevedo Marques, também citado em reportagem publicada ontem no Estado. Se a agência insistir na tentativa, provavelmente haverá reação por via judicial, acrescentou o especialista.
A pretensão da Anatel é claramente contrária a um direito consagrado pela Constituição. Nenhuma esforço de justificação realizado até agora produziu mais que um arremedo de argumento. O simples acesso aos dados não envolve quebra de sigilo, disse uma fonte do governo mencionada na reportagem. A relação da Anatel com as informações sobre as chamadas seria análoga, segundo essa fonte, à relação da Receita com os dados fornecidos pelos contribuintes. A analogia é obviamente falsa.
As informações transmitidas pelo contribuinte ao Fisco são necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias. O dever do Fisco em relação ao sigilo consiste em impedir o vazamento dos dados. Mesmo essa restrição, como se viu na última campanha eleitoral, foi violada mais de uma vez. A relação entre o usuário dos serviços de telecomunicações e a Anatel é muito diferente do vínculo entre o pagador de impostos e a Receita.
De fato, a relação é oposta: no caso das telecomunicações, o credor é o usuário da telefonia, enquanto a parte sujeita a obrigações é a Anatel. O cliente da operadora não tem obrigação de expor sua vida privada à agência, mas tem o direito de exigir proteção. Essa proteção não depende, obviamente, do acesso permanente àquelas informações. A desconfiança em relação aos dados fornecidos pela operadora, em caso de reclamação, é uma desculpa precária e uma confissão de incompetência técnica.
Se o acesso permanente às informações sobre telefonemas for considerado legalmente aceitável, o sigilo das comunicações estará correndo risco de extinção. Em nome da segurança dos cidadãos, a Polícia poderá reivindicar igual direito à bisbilhotice. Por enquanto, a maioria dos policiais e juízes continua levando a sério o preceito constitucional. A Anatel deveria imitá-los.
Fonte: O Estadão - http://bit.ly/hCxavg
É direito de cada um telefonar a quem quiser, quantas vezes quiser e por quanto tempo quiser sem ter de dar satisfações a qualquer agente público ou privado. O mesmo direito vigora no caso de cada ligação recebida. Sem ordem judicial, ninguém pode intrometer-se legalmente na vida de João ou de Antônio para verificar se foi feita alguma chamada para o número desta ou daquela pessoa. Mesmo para a autorização judicial há regras. O juiz tem de avaliar se há motivo razoável para a solicitação da quebra de sigilo. Além disso, ele deve limitar a autorização a propósitos bem definidos e por prazo determinado, para evitar a concessão de poderes excessivos à autoridade policial.
Dados como os pretendidos pela Anatel - números chamados, duração das conversas e frequência das ligações - têm sido usados em investigações policiais. Podem valer como indícios e até como provas. Autoridades policiais pedem autorização para a busca dessas informações precisamente porque o acesso aos dados configura quebra de sigilo. Essa é a interpretação aceita pelas Polícias e pela Justiça.
É também, e não por casualidade, a opinião de advogados atuantes no setor de telecomunicações. Bastará o acesso da agência ao número chamado, à data e à duração do contato para ser configurada a violação de sigilo, disse o especialista Pedro Dutra. "Isso é ilegal, desnecessário e ineficaz", acrescentou.
A Anatel já tentou incluir em contratos de concessão uma cláusula de acesso aos dados, mas as companhias se opuseram, lembrou o advogado Floriano de Azevedo Marques, também citado em reportagem publicada ontem no Estado. Se a agência insistir na tentativa, provavelmente haverá reação por via judicial, acrescentou o especialista.
A pretensão da Anatel é claramente contrária a um direito consagrado pela Constituição. Nenhuma esforço de justificação realizado até agora produziu mais que um arremedo de argumento. O simples acesso aos dados não envolve quebra de sigilo, disse uma fonte do governo mencionada na reportagem. A relação da Anatel com as informações sobre as chamadas seria análoga, segundo essa fonte, à relação da Receita com os dados fornecidos pelos contribuintes. A analogia é obviamente falsa.
As informações transmitidas pelo contribuinte ao Fisco são necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias. O dever do Fisco em relação ao sigilo consiste em impedir o vazamento dos dados. Mesmo essa restrição, como se viu na última campanha eleitoral, foi violada mais de uma vez. A relação entre o usuário dos serviços de telecomunicações e a Anatel é muito diferente do vínculo entre o pagador de impostos e a Receita.
De fato, a relação é oposta: no caso das telecomunicações, o credor é o usuário da telefonia, enquanto a parte sujeita a obrigações é a Anatel. O cliente da operadora não tem obrigação de expor sua vida privada à agência, mas tem o direito de exigir proteção. Essa proteção não depende, obviamente, do acesso permanente àquelas informações. A desconfiança em relação aos dados fornecidos pela operadora, em caso de reclamação, é uma desculpa precária e uma confissão de incompetência técnica.
Se o acesso permanente às informações sobre telefonemas for considerado legalmente aceitável, o sigilo das comunicações estará correndo risco de extinção. Em nome da segurança dos cidadãos, a Polícia poderá reivindicar igual direito à bisbilhotice. Por enquanto, a maioria dos policiais e juízes continua levando a sério o preceito constitucional. A Anatel deveria imitá-los.
Fonte: O Estadão - http://bit.ly/hCxavg
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