O episódio faz parte da história (ou do folclore, não se sabe exatamente) da política americana. Logo após deixar a presidência dos Estados Unidos, Harry S. Truman saiu da Casa Branca e uma limusine, da frota oficial, lhe esperava. Truman agradeceu ao motorista, mas, explicou, já não era presidente e, portanto, não podia usar um carro oficial. Pediu um táxi e foi para casa...
Bem, o gesto de Truman pode ter sido apenas simbólico - os Estados Unidos oferecem um grande aparato aos seus ex-presidentes, conforme pode ser constatado no filme "Frost/Nixon", também uma boa lição de jornalismo. Mas é o tipo de simbolismo facilmente compreendido pelo eleitor comum. Os políticos brasileiros têm enorme dificuldade de entender o lado bom e ruim desse tipo de ato. Quando pilhados se beneficiando das benesses do poder, como ocorreu no caso dos passaportes diplomáticos, usam como argumento o fato de se tratar de "uma mixaria", para utilizar a expressão de quem acha o episódio um caso menor. Não é, justamente pela carga simbólica que carrega. Aliás, o fato de as concessões desse tipo de passaporte serem feitas sem alarde mostra como se desconfiava da má repercussão do caso.
Curioso é notar como esse simbolismo é usado de maneira equivocada, mesmo quando os atos são intencionalmente expostos. A visita das autoridades a áreas flageladas, como ocorreu recentemente no Rio, não tem grandes significados práticos - só para se ter uma ideia, o governo federal manteve a liberação do saque do FGTS para os desabrigados abaixo do limite de R$ 5 mil. Mesmo assim, demonstra preocupação do governador, da presidente, com o estado das coisas. O problema é a inexistência de ações logo após a passagem do trauma - está certo: a tragédia atual tem dimensões de grandeza tal que é impossível imaginar o mesmo esquecimento ocorrido com outros desastres, igualmente tristes, mas menores.
Por conta dessa omissão, esse tipo de ato deixa de ser simbólico para ser demagógico. E os políticos passam a ser tratados como figuras interesseiras, reforçando o senso comum de que eles só aparecem nas comunidades em momentos extremos ou no período anterior ao das eleições, para pedir votos - possivelmente de olho em benefícios como o dos passaportes...
Políticos lidam, o tempo todo, com a leitura de seus atos. A ação prática, administrativa, deve se aproximar da realidade das ruas da forma mais rápida possível. Já as ações simbólicas devem, diligentemente, se afastar daquilo que possa ser entendido pela sociedade como algo capaz de comprometer a honra de quem a pratica - independentemente do tamanho do ato. Alguns políticos insistem em minimizar a importância de algumas de suas ações. Bem, a opção é deles. Mas, como diria Marco Maciel, com seu humor peculiar, "as consequências vêm depois".
Essas figuras têm todo o direito de pensar assim - embora sejam questionáveis os benefícios, pagos com dinheiro público, por elas desfrutados. Só não têm o direito, depois, de perguntar ou atribuir a setores da sociedade - como a imprensa, por exemplo - a culpa pelo desgaste da imagem dos políticos. Antes disso, deveriam fazer como Harry S. Truman. E entender claramente a separação entre público e privado.
Essas figuras públicas não têm o direito de perguntar ou atribuir a setores da sociedade - como a imprensa- a culpa pelo desgaste da imagem dos políticos.
Fonte: A Gazeta.
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