Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A oposição recebeu 43 milhões de votos na eleição presidencial contra 56 milhões da situação que, assim, ficou por delegação popular encarregada de continuar no comando da Nação.
Junto com a vitória, ganhou a responsabilidade de fazer frente aos desafios, resolver os problemas, responder à confiança que lhe foi depositada pela maioria da população, às expectativas de todos os brasileiros e se postar da melhor maneira possível diante do mundo.
É a função de governo, cujos bônus correspondem também aos ônus e para quem se voltam todas as atenções. O momento é da presidente Dilma Rousseff e sua equipe.
Essa realidade, no entanto, não significa que os perdedores estão liberados de seus deveres.
Ou pelo menos não deveria significar. O ainda principal partido de oposição, o PSDB, parece alheio ao fato de que tem um papel a cumprir além de curtir a ressaca da derrota, resmungar pelos cantos as razões do fracasso e de se dedicar às escaramuças internas tentando construir posicionamentos eleitorais para o futuro.
Não parece compreender duas coisas: que o exercício da política não se resume ao momento eleitoral e que o resultado da próxima eleição depende da relação que conseguir construir com a sociedade daqui até lá.
É cedo para cobrar da oposição uma atuação, quando o novo governo mal acaba de começar? Sim, se a perspectiva for exclusivamente a do embate em busca de votos.
Essa concepção das coisas mostrou-se equivocada na estratégia da candidatura presidencial do PSDB: José Serra foi desde sempre o candidato, mas achou que deveria abster-se da atuação política para se apresentar à disputa no momento "certo".
Revelou-se tardio, pois entre os números favoráveis de pesquisas e a candidatura em si tucanos e adjacências deixaram que se abrisse um imenso vazio que depois, no improviso, não souberam preencher.
E, pelo jeito, não souberam perceber ainda o erro e, mais grave, não valorizaram os votos recebidos. A oposição atua na lógica de murici: cada um trata de si. E a ninguém ocorre tratar das questões políticas já em pauta.
Cansados da luta árdua que travaram para perder a eleição, seguem indiferentes à discussão sobre o salário mínimo, à disputa pelo comando do Congresso, à indecente batalha fisiológica pela divisão do latifúndio governamental.
Sobre o mínimo, se esquecem da proposta de R$ 600. Se na campanha a consideraram exequível, deveriam agora defender a posição.
Sobre o Parlamento, rendem-se aos acordos entre PT e PMDB deixando de lado o debate sobre a desqualificação do Legislativo. Se tivesse alguma ideia a respeito, agora seria a hora de a oposição se manifestar.
Sobre os meios e modos da ocupação da administração federal, os oposicionistas tampouco têm algo a dizer, além da crítica fácil.
Ao se omitir, a oposição desdenha não apenas de seus eleitores como se mostra desprovida da noção de que é uma força política cujo dever primordial é participar da vida do País, se ainda se pretende no direito de voltar a governar o Brasil.
Pés de barro. Imaginemos, só para efeito de raciocínio comparativo, como seria visto um presidente da República do PSDB, do DEM, do PPS ou mesmo do PMDB, que tivesse deixado para um governante do PT um problema como a administração diplomática da não extradição de Cesare Battisti, decidida há pelo menos seis meses, mas só anunciada no último dia de governo. Obviamente, a atitude seria recebida como uma manobra covarde, com a única finalidade de livrar o autor de enfrentar as consequências de sua decisão.
Essas e outras configuram a herança maldita deixada por um presidente que, pautado exclusivamente pela construção do próprio mito, não arbitrou contenciosos, não administrou adversidades, não comprou uma só briga que pudesse abalar sua popularidade.
Diferente de Lula, que só fez bajular os militares, Dilma Rousseff impôs autoridade civil ao cobrar compostura histórica do general José Elito, chefe do gabinete de Segurança Institucional, nas declarações sobre brasileiros desaparecidos durante a ditadura.
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