Os laços entre o presidente Hugo Chávez e os líderes comunistas de Cuba são claros: Cuba tem milhares de médicos aqui, sem contar um número menor de consultores que ajudam em uma série de assuntos, de engenharia agrícola ao treinamento de atletas olímpicos.
Mas a discreta expansão do papel militar de Cuba aqui levantou uma preocupação em particular entre os críticos de Chávez, que mantêm que as forças armadas estão sendo transformadas – com a ajuda de Cuba – em um instrumento que possa ser utilizado para reprimir qualquer contestação doméstica ao presidente.
Em uma rara crítica pública, um ex-assessor de Chávez atacou o papel dos consultores cubanos em áreas delicadas, que ele diz incluir inteligência militar, treinamento de armas, planejamento estratégico e a logística do próprio Chávez, que frequentemente viaja em um avião cubano.
"Nós estamos à mercê de interferência em áreas de segurança nacional por parte do regime cubano, que deseja que Chávez permaneça no poder porque Chávez lhes dá petróleo", disse o ex-assessor, António Rivero, um general de brigada reformado neste ano, em uma entrevista.
"Os consultores cubanos estão lá para exercer pressão", ele acrescentou, "e eles frequentemente alegam falar em nome do presidente, como se fossem seus emissários".
Chávez não hesita em falar sobre a presença dos consultores militares cubanos, que ele diz estarem ajudando "modestamente" em algumas áreas. Mas ele não ofereceu publicamente detalhes sobre quantos eles são ou onde estão trabalhando.
Carlos A. Romero, um cientista político da Universidade Central da Venezuela e que pesquisa os laços militares com Cuba, estima que há 500 consultores militares cubanos no país, incluindo um grupo de elite de cerca de 20 oficiais operando a partir do Fuerte Tiuna, a principal guarnição militar do país.
Um porta-voz da embaixada de Cuba aqui não respondeu aos pedidos de comentário.
A crítica de Rivero, que trabalhou como assessor de Chávez no início de sua presidência e posteriormente foi chefe da agência de gestão de emergência, ocorre após anos em que Cuba serviu como eixo de apoio para Chávez.
Os médicos cubanos fornecem atendimento médico gratuito aos venezuelanos pobres; em troca desse apoio, Cuba recebe cerca de 100 mil barris de petróleo por dia da Venezuela, ajudando o país a se recuperar do colapso econômico que ocorreu após o fim dos subsídios à energia da época soviética nos anos 90. Mas o intercâmbio militar se tornou um assunto delicado aqui.
"Cuba não vende sistemas de armas, o que difere dos acordos de cooperação militar que a Venezuela tem com a Rússia ou a China", disse Rocío San Miguel, uma acadêmica legal daqui que é especializada em assuntos militares. "O que Cuba vende é inteligência e planejamento estratégico, com base em 50 anos de experiência em manter um regime repressivo no poder."
Rivero, que disse fazer suas críticas "por uma questão de soberania", não ofereceu evidência de que os militares adotaram políticas repressivas inspiradas em Cuba. Mas ele disse que os cubanos assumiram deveres que vão além das atividades normais de uma aliança militar, e que a presença deles em áreas como inteligência militar poderia comprometer a segurança nacional.
Chávez já adotou medidas para politizar as forças armadas, afastando centenas de oficiais considerados desleais e promovendo aqueles que o apoiam. Ele mudou o nome do exército para Forças Armadas Bolivarianas e nos exercícios militares exige que os soldados gritem o slogan "Pátria, socialismo ou morte!"
Ele se aproximou cada vez mais de Cuba à medida que os laços com os Estados Unidos, antes os principais provedores de consultoria militar para a Venezuela, murcharam. Após Chávez ter sido brevemente removido do poder por um golpe em 2002, ele cancelou os acordos de cooperação militar com os Estados Unidos, que aplaudiram sua derrubada. De lá para cá, Chávez tem nutrido laços de defesa com a China, Irã e Rússia, e vê essas alianças como um contrapeso ao poder americano na América Latina.
Algumas mudanças na estratégia militar já refletem o modelo cubano, incluindo os preparativos para uma possível invasão pelos Estados Unidos; o desenvolvimento da Milícia Bolivariana, uma força armada civil semelhante à Milícia Territorial de Cuba; e um foco no desenvolvimento de uma política militar dentro da Aliança Bolivariana para as Américas, o grupo político regional liderado pela Venezuela e Cuba.
Os defensores de Chávez descrevem os laços com Cuba como sendo uma extensão natural de suas ideologias compatíveis.
"O governo revolucionário de Cuba aplica um conceito de defesa nacional com um retrospecto longo e bem-sucedido", escreveu Pedro Carreño, um ex-ministro do Interior de Chávez, em uma coluna no jornal "El Nacional". "A falta de um intercâmbio militar com Cuba poderia propiciar espaço para traição da pátria."
O alinhamento da Venezuela com Cuba difere das políticas de defesa dos países esquerdistas moderados na região. O Brasil, a potência ascendente da região, assinou recentemente um acordo visando reforçar seus laços militares com os Estados Unidos.
Para Cuba, o papel de consultoria militar no exterior não é novidade, apesar de suas atividades aqui serem diferentes das brigadas de combate enviadas para Angola e Etiópia nos anos 70, ou dos consultores na Nicarágua nos anos 80. A assistência de Cuba na Venezuela é muito mais ampla, incluindo áreas como telecomunicações e sistemas nacionais de carteiras de identidade. A ascensão de Cuba a maior aliado da Venezuela levou a críticas de que os cubanos estão ajudando Chávez a reforçar seu controle das instituições.
O debate em torno da aliança ocorre em um momento de crescente tensão política aqui. Chávez está enfrentando uma dura recessão econômica e uma crescente ira pública em torno do escândalo de 22 mil toneladas de alimentos importados, encontradas apodrecendo nos portos, enquanto o país sofre com a escassez de alimentos básicos.
Mas enquanto Chávez enfrenta esses desafios, os analistas daqui dizem que ele garantiu habilmente a lealdade nas forças armadas. Dias após Rivero começar a criticar a presença militar cubana por meio de organizações privadas de notícias em abril, Chávez anunciou um aumento salarial de 40% para os 82 mil membros das forças armadas.
A mídia estatal daqui, citando um proeminente oficial militar, disse que o aumento salarial não estava relacionado às "mentiras" de Rivero, e que visavam "dignificar" o padrão de vida dos militares.
Chávez também deixou claro que quaisquer murmúrios dentro das forças armadas a respeito dos consultores cubanos, ou outros assuntos, teriam consequências. Ele raramente perde a chance de lembrar a todas as forças armadas sobre o crescente poderio da milícia, que já conta com 300 mil reservistas e foi planejada para operar sob seu comando. Em uma recente parada de reservistas, Chávez pediu a eles para que "acabem com a burguesia" caso seja assassinado.
"Ninguém conhece melhor do que o próprio Chávez que a história venezuelana está repleta de uma conspiração militar atrás da outra", disse Fernando Ochoa Antich, que foi ministro da Defesa quando Chávez tentou seu próprio golpe em 1992. "Sua dependência de Cuba é um esforço para melhorar os controles de inteligência para impedir que uma conspiração vingue."
Meridith Kohut/The New York Times
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