segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

AMIGOS DA LUA (By Marco Sobreira)

Depois de 4 anos sem médico a população de Atílio Vivácqua, pequeno Município do sul do Espírito Santo, estava feliz com a minha chegada. Aos 26 anos, iniciando minha vida profissional, aceitei o desafio de morar no cidade e prestar atendimento por 24 horas o que acabou por criar um profundo laço de amizade entre nós, mas que entre outros desgastes, me deixou por 14 anos sem férias, já que não tinha outro colega que pudesse suprir a minha ausência.


Como a vida não é só trabalho, apesar de não ter dia nem hora atender, procurei achar meios de me divertir. Assim fui jogador de futebol, presidente de time, técnico de escolinha de futebol, carnavalesco, participante de blocos e baterias, dançador de forró, operador de radio amador, enfim tudo que se pode fazer de lazer sem abandonar a cidade. De tudo na verdade o que gostava mais era de uma boa seresta, juntamos uns boêmios e criamos os “amigos da lua”, Milinho no bandolin, Zé Barros no violão e voz, Gilson Alumínio na percussão, eu, dr Joel e Elço Tolete formávamos o trio de cantores do grupo.

De vez em quando, sempre às sextas-feiras nos reuníamos em algum boteco para mais uma noitada musical, sempre rolava umas cervejinhas e cachacinhas, não tínhamos públicos e cantávamos para nós mesmo, na verdade rolava mais um papo gostoso, histórias e causos do dia-a-dia, o que tornava ainda mais gostoso a nossa reunião. Um médico, um advogado, dois fiscais da receita estadual, um consertador de eletrodomésticos e um funcionário dos correios, fazia nosso grupo bem heterogêneo e divertido. Zé Barros gostava de tomar umas pingas fora do horário de serviço o que lhe custava constantes broncas de Dª Marina sua esposa, uma bonita e distinta morena que não se conformava com as bebedeiras do marido, principalmente quando chegava tarde por conta da seresta.

Exímio violeiro, quanto mais bebia melhor tocava, só que chegava a um certo ponto a única música que conseguia cantar era “Marina, morena Marina você me deixou...” Pronto, daí em diante não tinha jeito, tínhamos que encerrar a noitada porque nosso amigo insistia em cantar e chorar “Marina (soluços), morena Marina (soluços), caía em prantos e era hora de levá-lo para casa onde teria que enfrentar a verdadeira Marina.

Numa sexta-feira fria do mês de maio, eu estava acabando de atender os meus pacientes da tarde quando chegou o recado;

-Dr. Marco, o Gilson Alumínio mandou avisar que hoje tem seresta no boteco do Tim , é para o Senhor ir porque ganharam um gambá e a Mãezinha vai prepará-lo como tira-gosto. (Naquela época ainda não estava proibido o consumo desse tipo de animal)

Lá pelas 9 horas da noite, todos presentes, descobrimos que no boteco não tinha cerveja, a única bebida disponível era a cachaça Triunfo (péssima por sinal). Reclamação geral, broncas no Tim, resolvemos decidir por maioria se faríamos ou não a seresta, votei pelo não, fui voto vencido, a turma achou que não poderíamos perder o gambá.

Entre Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves, Pixinguinha, Orlando Silva, Miltinho, cachaça Triunfo , tira-gosto delicioso, pessoal animado, garganta afiada, o tempo passou rápido e lá pelas 2 horas da madrugada, de repente o Zé Barros grita;

-Quero cantar Marina.

Pronto, sabíamos que estava na hora de parar, já que nosso amigo tinha atingido aquele ponto sem volta. Nova confusão, ninguém queria ter o privilégio de levar o Zé Barros para casa, sem acordo resolvemos disputar nos palitinhos (porrinha) quem seria o premiado. Dessa vez a sorte não me sorriu e sob gargalhadas dos amigos me preparei para cumprir a espinhosa missão. Estava num ferro tão grande que para fazê-lo entrar no carro já deu um trabalhão danado.

Chegamos, morava num sobrado, ao abrir a porta me deparei com uma íngreme escada de madeira de mais ou menos uns 20 degraus que terminava numa grande porta, o que me pareceu no momento as escadarias da Penha no Rio de Janeiro. Lá fomos nós, Zé Barros subia um degrau e descia dois, o jeito foi colocá-lo de quatro e subir engatinhando, naturalmente eu empurrando por trás. Quando finalmente chegamos no penúltimo degrau a porta se abriu e apareceu Dona Marina, cara de poucos amigos, foi curta e grossa;

-Muito bonito, esse aí eu sei que não tem mais vergonha mesmo, mas até o Senhor Dr. Marco!!!

Dei uma desculpa esfarrapada, desci as escadas a mil e fiz uma jura de que nunca mais passaria por outro sermão daquele, mas por muito tempo fui alvo da gozação do próprio Zé Barros e dos companheiros dos “Amigos da Lua”.

2 comentários:

  1. E eu que não sabia que se comia gambá...kkkkk Adorei a criatividade pras diversões..... Fiquei imaginando a cena na escada e caí na gargalhada.... Adoro seus causos..... Podia escrever pelo menos 2 por semana... Abraços e... Até vc dr. Marco? rsss

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  2. Muito bom o texto. Devia ser um tempo muito animado e divertido. Valeu por compartilhar.

    Br-Surreal

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