segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

CUBANO POR 30 DIAS ( PARTE 2 )

PATRICK SYMMES


DESTILAÇÃO Demorei 36 horas para conseguir um galão de água purificada. Em seguida, poli minha panela de pressão, testei e remendei suas vedações de borracha; submeti a panela a uma esterilização e coloquei água e açúcar lá dentro. Misturei, fechei e esperei. Passadas quatro horas, a panela de pressão estava borbulhando com uma espuma turva de tom marrom e cheiro mortífero.


Destilar requer uma mangueira. Tentei uma loja de artigos para a casa em um shopping center que vende em moeda forte, em Malecón, e depois uma loja de ferramentas. Por fim, perguntei a um frentista em um posto de gasolina. Ele me aconselhou a procurar um homem que fica posicionado na 3ª Avenida, ao lado de uma mesinha dobrável.

Depois de muita discussão sobre álcool, esse homem de mãos e feições encobertas pela graxa, um encanador clandestino vindo do Brasil, me deu uma mangueira de cerca de um metro, bem suja. Tentei por duas horas remover a graxa endurecida do interior do tubo. Usei calor, sabão, um trapo e um cabide de roupas retorcido, mas sem resultado.

Por fim, pedi a um jardineiro que trabalhava em um jardim do bairro se ele podia me conseguir uma mangueira apropriada à destilação de aguardente. O pedido lhe pareceu a coisa mais natural do mundo e, meia hora depois, ele me entregou um metro de mangueira cortado do jardim de alguém.

Pelos dois dias seguintes, verifiquei o líquido na panela de pressão. A mistura estava atraindo drosófilas e borbulhava baixinho.

Os deuses estavam sorrindo, e também as prostitutas. Eu vinha há mais de uma semana me esquivando às atenções de uma jovem que caminhava pelas ruas próximas de meu apartamento. Era um exemplo clássico da economia cubana em ação: calças justíssimas, correntes douradas, sombra azul nos olhos, sandálias com salto plataforma e unhas postiças de acrílico pintadas nas cores da bandeira cubana.

"Psst", ela dizia ao passar, chamando minha atenção para esses atributos. Eu muitas vezes costumava me sentar na escadaria do meu prédio, a fim de aliviar a sensação de estar aprisionado no pequeno apartamento. Ela me olhava pelo portão de ferro, ao passar, e me chamava. Psst.

Eu resistia ao apelo. Mas a jovem, como muitas prostitutas cubanas com quem conversei, era uma mulher charmosa e inteligente lutando para sobreviver, por sob as propostas do tipo "jewwannafuckeefuckee". Conversamos uma vez, e voltamos a fazê-lo dias mais tarde. Nossa terceira conversa foi longa. Ela tentava o tempo todo ser convidada a entrar no meu apartamento --eu tinha fogo para seu cigarro? Um cafezinho? Uma cerveja ou refrigerante?- e eu nem cedia e nem recusava, porque as histórias dela me divertiam.

Em dado momento, o som de um celular surgiu de seu decote. Ela atendeu, e travou uma conversação tendenciosa, em inglês. Quando desligou, ela disse: "Ele quer comer meu rabo". Cogerme em el culo. Os cubanos, especialmente as prostitutas, não fazem rodeios quanto a sexo. Ou raça. "Os negros sempre querem sexo anal", ela continuou. "Não gosto de negros, mesmo que me considere negra, e minha irmã é negra, mas acho que os negros cheiram mal. O sujeito tem muito dinheiro. É um homem importante nas ilhas Cayman, e rico de verdade. Ele me ofereceu US$ 150, e eu recusei. Agora disse que quer me pagar US$ 300 só por um jantar".

"Duvido muito", eu disse.

"Pois é. Sempre digo a ele para ligar para minha prima. Ela adora negros".

Todas as nossas conversas tanto começavam quanto se encerravam com uma proposta. Porque, ao longo de uma semana, eu havia recusado repetidamente os seus convites, ela disse: "Eu achei que você fosse pato". O quê? "Você sabe, maricón. Um gay. Homossexual".

Ela é enfermeira, tem 24 anos, vive em Holguín. Para conseguir mais tempo de férias, trabalha turnos de 12 horas, e depois, a cada quatro ou seis meses, vai a Havana para um longo intervalo "no qual me dedico a isso", disse. Em um raro momento de eufemismo, se definiu como dama de acompañamiento.

"A maioria das meninas tem cafetões, mas eu não; preciso me defender sozinha". Além do celular, seu decote oculta uma pequena faca serrilhada, cuja lâmina ela estendeu e exibiu.

"Você sabe por que fazemos isso", disse, "não é? É a única maneira de sobreviver. Tenho uma filha e a amo muito. É uma menina preciosa. Sinto muito sua falta. É por ela que faço isso. Que tal me dar US$ 100 e a gente sobe agora?" (Ela mais tarde me ofereceria o "preço cubano" de US$ 50.)

Eu disse a ela que não tinha dinheiro. Expliquei o que estava fazendo. A ração. O salário. Os cinco quilos que eu tinha perdido. "Não tenho nem um peso", disse. Ela pediu uma caneta, anotou seu telefone e me entregou o papel. Depois, tirou de um dos bolsos minúsculos de sua calça justa uma moeda de um peso, e me entregou.

"Para você me telefonar", disse.

Foi mais um dia terrível no que tange à comida, meu pior até aquele momento. Do alvorecer à meia-noite, comi arroz, feijão e açúcar em valor nutritivo de pouco mais de mil calorias. Acordei às três da manhã seguinte e terminei o arroz. Só me restava um pouco de feijão, duas batatas doces, algumas bananas da terra mirradas, três ovos e um quarto de repolho. Faltavam nove dias.

Fui à loja de produtos racionados, procurei Jesús e comprei café, meio quilo de arroz e um pouco de pão --tudo a preços cubanos, um total de 14 pesos, ou cerca de US$ 0,60. Com isso meu dinheiro acabou. Mas essas sobras de comida, a generosidade de diversos cubanos e meu estômago contraído para o tamanho de uma noz garantiram que fosse o bastante. Eu sabia que cumpriria meu plano até o fim.

No dia seguinte, fui a pé até a casa de Elizardo Sánchez, o ativista dos direitos humanos. Setenta minutos de caminhada para ir e 70 para voltar. "Tudo está bem, agora", eu lhe disse, delirando com a falta de açúcar no sangue. "Até prostitutas estão me dando dinheiro".

Passei uma hora em sua casa. Ele me ofereceu um copo de água.

Por fim chegou o grande dia da fuga. Não minha partida, que só aconteceria oito dias mais tarde, mas sim o álcool. O líquido marrom parara de borbulhar depois de quatro dias --quando o teor alcoólico atinge os 13%, o fermento remanescente morre.

Esterilizei a mangueira e, dobrando um cabide, afixei-a à válvula no topo da panela de pressão. Acendi um fósforo e, em 10 minutos, tinha vapor de álcool, transferido pela mangueira para se condensar em forma líquida na garrafa vazia de uísque, posicionada em uma vasilha cheia de gelo.

ÁLCOOL TÓXICO Demonstrando minha ignorância, e desonrando minhas origens na Virgínia, eu havia cozinhado a mistura a uma temperatura alta demais, e não removi a camada inicial de álcool de baixa qualidade, ou até mesmo tóxico. Mas quatro horas de cozimento produziram um litro de uma bebida leitosa, e em minha ingenuidade decidi suspender o processo antes que os restos caíssem na garrafa e estragassem o sabor.

Eu deveria ter feito uma segunda destilação, para produzir um rum mais fino, mas nem tentei. Às quatro da tarde, por fim pude me sentar, tendo em mãos um copo de rum esbranquiçado e quente.

Comecei a beber e em 30 segundos já estava com dor de estômago. O teor alcoólico da bebida era baixo, mas minha tolerância também, e não demorou muito para que eu começasse a rir à toa. O jardineiro veio para provar uma dose, com um ar tristonho no rosto. Acordei à meia-noite, de ressaca, e o padrão se manteve durante minha semana final de estadia. Dor de estômago instantânea, embriaguez amena, dor de cabeça. Mas as duas ou três horas que separavam esses estados valiam muito a pena. Quando saí de Havana, não restava nem uma gota de aguardente.

Tampouco restava muito de mim. Na metade de fevereiro, caminhei pela última vez até o Riviera e me pesei na academia. Estava mais de cinco quilos abaixo do peso que tinha ao chegar.

Mais de cinco quilos perdidos em 30 dias. Eu tinha consumido 40 mil calorias a menos do que estava acostumado. A esse ritmo, eu estaria magro como um cubano por volta do segundo trimestre; e morto antes do final do ano.

Concluí a estadia com algumas refeições minúsculas --acabei com o arroz feio, comi a última batata doce e um quarto de repolho. No dia anterior à partida, recorri à reserva para emergências e comi os palitos de gergelim do avião (60 calorias), acompanhados pela lata de suco de frutas contrabandeada das Bahamas (180). O sabor do líquido vermelho foi um choque: amargo por conta do ácido ascórbico e repleto de açúcar, a fim de imitar o sabor de um suco real. Foi como beber plástico.

FIM Meus gastos totais com comida foram de US$ 15,08 ao longo do mês. Ao final, eu tinha lido nove livros, dois dos quais com mais de mil páginas, e escrito boa parte deste artigo. Vivi com o salário de um intelectual cubano e, de fato, sempre escrevo melhor, ou ao menos mais rápido, se estou sem grana.

Minha última manhã: sem desjejum, para complementar o jantar que não tive na noite anterior. Usei a moeda que ganhei de uma prostituta para apanhar um ônibus até perto do aeroporto. Tive de caminhar os 45 minutos finais até o terminal; quase desmaiei no caminho.

Houve um momento tragicômico, no qual homens uniformizados me tiraram da fila do detector de metais porque um agente da imigração achou que eu tinha excedido os 30 dias de permanência do meu visto. Foi preciso três pessoas, contando repetidamente nos dedos, para provar que aquele era o 30º dia.

Jantei e almocei nas Bahamas e engordei quase dois quilos. De volta aos EUA, ganhei mais três quilos antes que o mês acabasse. Estava de volta à minha nacionalidade --e ao meu peso

Fonte: Folha.com

CUBANO POR 30 DIAS ( PARTE 1 )

Com o desafio de passar um mês em Havana com apenas 15 dólares, o repórter norte-americano Patrick Symmes narra seu mergulho na sociedade cubana e os diversos "jeitinhos" a que precisou recorrer para obter comida, se locomover e até mesmo para destilar rum caseiro.

PATRICK SYMMES


NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS da minha vida, acho que nunca passei mais de nove horas sem comer. Mais tarde, fiquei sujeito a períodos mais longos de fome, mas sempre voltei para casa, fui recebido com festa, comi tudo o que quis, no momento que quis, e recuperei o peso que tivesse perdido. Além disso, segui a trajetória habitual de uma vida americana, ganhando meio quilo de peso por ano, década após década.





Quando decidi ir a Cuba e viver por um mês consumindo apenas aquilo que um cubano comum pode consumir, meu peso havia atingido 99 quilos; nunca tinha sido tão alto.

Em Cuba, o salário médio é de US$ 20. Médicos chegam a ganhar US$ 30, e muitas outras pessoas ganham só US$ 10. Decidi que me concederia o salário de um jornalista cubano: US$ 15, a renda de um intelectual oficial. Sempre quis ser um intelectual, e US$ 15 representava uma vantagem significativa sobre os proletários que constroem paredes de alvenaria ou cortam cana por US$ 12, e quase o dobro dos US$ 8 da pensão de muitos aposentados. Com esse dinheiro, eu teria de comprar minha ração básica de arroz, feijão, batata, óleo, ovos, açúcar, café e tudo o mais de que precisasse.

A primeira meia hora em solo cubano foi passada nos detectores de metais. Depois, como parte de um novo regime de vigilância que eu não havia encontrado em meus 15 anos anteriores de visita ao país, passei por um interrogatório intenso, porém amadorístico. Não era nada pessoal: todos os estrangeiros que chegaram no pequeno turboélice vindo das Bahamas foram separados do grupo e extensamente interrogados.

Como em Israel, um agente à paisana me fez perguntas detalhadas, mas que não versavam sobre assuntos importantes. ("Para que cidade você vai? Onde ela fica?"). O objetivo era me provocar, revelar incoerências ou causar nervosismo. Ele não olhou minha carteira ou perguntou por que, se eu planejava passar um mês em Cuba, tinha menos de US$ 20 comigo.

O olhar do agente se voltou aos demais passageiros. Eu tinha passado. "Trinta dias", eu disse à senhora que carimbou meu visto de turista. O prazo máximo.

Havia uma placa pendente do teto do aeroporto, com o desenho de um ônibus. Mas nada de ônibus. Só mais tarde, explicou a mulher da cabine de informações. Haveria um ônibus -só um- naquela noite, por volta das 20h, para levar os funcionários do aeroporto de volta a suas casas.

Eu teria de esperar seis horas. O centro de Havana fica a 16 quilômetros do aeroporto. Porque um táxi custaria US$ 25 --ou seja, mais que o meu orçamento para todo o mês--, eu teria de ir a pé. A mesma mulher tirou do bolso do uniforme duas moedas de alumínio, e me deu: 40 centavos de peso, o equivalente a dois centavos de dólar.

Na rodovia, a alguns quilômetros do aeroporto, eu talvez encontrasse um ônibus para a cidade. E em Havana eu poderia encontrar, ou teria de encontrar, uma maneira de sobreviver por um mês. Ergui a mochila aos ombros e comecei a caminhar, com as moedas de alumínio tilintando no bolso. Saí do terminal e atravessei o estacionamento, chegando à via de acesso.

Comecei a caminhar pela estrada, deixando o mundo externo para trás a cada sólido passo. A intervalos de alguns minutos, táxis se aproximavam, buzinando, ou carros particulares paravam ao meu lado e me ofereciam uma jornada até a cidade por apenas metade do preço oficial. Eu continuei caminhando, devagar, deixando para trás os velhos terminais e contemplando os campos de vegetação esparsa.

Os outdoors trombeteavam mensagens do passado: Bush terrorista. Depois de caminhar 40 minutos, cruzei por sobre os trilhos da ferrovia em uma passarela e, ao chegar à rodovia, tive sorte. O ônibus para Havana estava no ponto. Passada uma hora, eu havia chegado ao centro de Havana e estava de novo caminhando, em busca de um velho amigo.

RACIONAMENTO As primeiras pessoas com quem conversei na cidade --desconhecidos que vivem perto da casa do meu amigo-- mencionaram o sistema de racionamento. Sem que eu perguntasse, eles me mostraram suas cadernetas de racionamento e se queixaram bastante.

A caderneta --conhecida como "libreta"-- é o documento fundamental da vida cubana. Quase nada mudou no sistema de racionamento: ainda que agora seja impressa em formato vertical, a caderneta é idêntica às emitidas anualmente durante décadas.

O que mudou foi a tinta: havia menos texto na caderneta. O número de itens era menor, e as quantidades também eram menores, menos do que em 1995, a época de fome do "Período Especial". Desde então, a economia cubana se recuperou, mas o sistema cubano de racionamento ainda não. Em 1999, o ministro do Desenvolvimento de Cuba me disse que a ração mensal oferecia comida suficiente para apenas 19 dias, mas previu que esse total logo subiria.

Na verdade, caiu. Ainda que hoje o volume total de alimentos disponíveis em Cuba seja mais alto e o consumo de calorias per capita também tenha crescido, isso não se deve ao racionamento. O crescimento ocorreu em mercados privatizados e hortas cooperativas, e por meio de importações maciças; a produção de alimentos pelo Estado caiu 13% no ano passado e a ração encolheu junto. A opinião geral é de que a ração mensal hoje só dá para 12 dias de comida.

A minha viagem serviria para que eu fizesse o meu próprio cálculo: como alguém pode sobreviver durante um mês com comida para apenas 12 dias?

CADERNETA Cada família recebe uma caderneta de racionamento. As mercadorias são distribuídas numa série de mercearias (uma para laticínios e ovos, outra para "proteínas", outra para pão; a maior delas cuida dos enlatados e outros produtos embalados, de café e óleo a cigarros). Cada loja conta com um administrador que anota na caderneta a quantidade de produtos retirada pela família. Os vizinhos do meu amigo --marido, mulher e neto-- receberam a ração padronizada de produtos básicos, que consiste, por pessoa, em:

Dois quilos de açúcar refinado

Meio quilo de açúcar bruto

Meio quilo de grãos

Um pedaço de peixe

Três pãezinhos

Riram muito quando perguntei se recebiam carne de vaca.

"Frango", disse a mulher, mas isso provocou uivos de protesto: "Qual foi a última vez que recebemos frango?", o marido questionou. "Pois então, é verdade", ela disse. "Já faz alguns meses." A ração de "proteína" é distribuída a cada 15 dias e consiste numa carne moída de misteriosa composição, que inclui uma bela proporção de pasta de soja (se a carne for suína, a mistura recebe o falso nome de "picadillo"; se for frango, é conhecida como "puello con suerte", ou frango com sorte).

A ração basta para o equivalente a quatro hambúrgueres por mês, mas até aquele momento, em janeiro de 2010, cada um só havia recebido um peixe --em geral, uma cavala seca e oleosa.

E há os ovos. A mais confiável das fontes de proteínas, eles são conhecidos como "salva-vidas". Antigamente, a ração era de um ovo por dia; depois, um ovo a cada dois dias; agora, é de um ovo a cada três dias. Eu teria dez deles como ração para o mês seguinte.

Meu amigo me conduziu a uma residência particular no bairro de Plaza, onde eu alugaria um apartamento por um mês --a única despesa que deixo fora de minhas contas aqui. O apartamento era espartano, em estilo cubano: dois cômodos, cadeiras sem almofadas, um fogareiro de duas bocas numa bancada e um frigobar.

No meu segundo dia, comecei comendo um bagel de gergelim, e distraidamente o devorei inteiro, como se fosse possível comprar outro. De acordo com um aplicativo de contagem de calorias instalado em meu celular, o bagel tinha 440 calorias. Tudo que comi pelos 30 dias seguintes foi anotado com ajuda do pequeno teclado, registrado, tabulado em termos diários e semanais, dividido em proteínas, carboidratos e gordura, avaliado por meio de gráficos de barras. Um homem ativo do meu tamanho (1,88 metro, 95 quilos) precisa de cerca de 2,8 mil calorias diárias para manter o peso. Eu ainda não tinha conseguido quaisquer outros suprimentos de comida, e concluí meu café da manhã quando a faxineira de meu senhorio me deu dois pequenos copinhos de café muito açucarado (75 calorias).

Da mesma forma que os cubanos aproveitam lacunas nos regulamentos para sobreviver, decidi explorar minha evidente condição de estrangeiro em meu benefício, e passei o dia entrando e saindo de hotéis nos quais poucos cubanos estão autorizados a entrar. Isso me dava acesso a ar condicionado, papel higiênico e música. Passei pela segurança no Habana Libre, o antigo Hilton, e subi de elevador até o topo, que oferecia lindas vistas de Havana ao crepúsculo.

A boate ainda não estava aberta, mas entrei mesmo assim; apanhei um ensaio em curso. Um roqueiro russo, com uma banda de apoio de mais de 30 músicos, estava passando o som do show que faria mais tarde. O hotel serviu chá e água mineral em garrafas aos músicos, e aproveitei a oportunidade para beber bastante. O sabor adstringente do chá --mediado por muito açúcar- finalmente começou a fazer sentido para mim. Era a bebida dos noviços em um mosteiro, das pessoas famintas e enregeladas. Seu objetivo é matar o apetite.

Havia restos de um lanche. Encontrei apenas um sanduíche e meio de queijo, abandonado em um guardanapo perto da seção de cordas; coloquei o guardanapo no bolso. Caminhei por uma hora, atravessando Havana para voltar ao meu quarto, passando por dezenas de lojas novas --açougues, bares, cafés, pizzarias e outros prolíficos fornecedores de alimentos vendidos apenas em moeda forte. Detive-me por longo tempo, contemplando os imensos peitos de peru expostos na vitrine de uma das lojas.

Quando enfim cheguei ao meu quarto, os sanduíches se haviam desintegrado no meu bolso, em uma massa de migalhas, manteiga e queijo sintético, mas os comi mesmo assim, devagar, prolongando a experiência. Eu sempre havia desdenhado os cubanos que se dispõem a aplaudir o regime em troca de um sanduíche, mas, já no meu segundo dia na ilha, eu me sentia disposto a denunciar Obama em troca de um biscoito.

Na manhã do terceiro dia, caminhei mais de duas horas por Havana em busca de comida, queimando 600 calorias, o equivalente aos sanduíches consumidos um dia antes. Eu havia presumido, erroneamente, que poderia simplesmente comprar a comida de que precisaria para o mês. No entanto, por ser norte-americano, eu era inelegível para o racionamento, nos termos do qual o arroz custa dois centavos de dólar o quilo. Como "cubano" vivendo com salário de US$ 15 ao mês, eu não teria como comprar comida fora do sistema, nas dispendiosas lojas que vendem alimentos em dólares. Os cubanos chamam essas pequenas lojas, que vendem de tudo, de pilhas e carne bovina a óleo de cozinha e fraldas, de "el shopping". Depois de horas de frustração, e incapaz de comprar qualquer comida, voltei de ônibus ao apartamento.

Eu não tinha almoçado. Tentei ler, mas só havia trazido livros sobre dificuldades e sofrimento, como "Les Misérables". Comecei com um panorama mais fácil e bem humorado sobre uma vida solitária e repleta de privações, "Sailing Alone Around the World", de Joshua Slocum, e li 146 páginas do livro em meu primeiro dia. Slocum atravessou o Atlântico em um veleiro comendo pouco mais que biscoitos e postas de carne de peixe voador, acompanhados por café, e fiquei especialmente satisfeito quando, ao chegar ao Pacífico, ele descobriu que havia uma infestação de mariposas em sua reserva de batatas, e teve de lançar as valiosas provisões ao mar. Mas depois disso ele costumava fazer absurdos como preparar um cozido irlandês ou apelar a uma reserva de vitela defumada comprada na Tierra del Fuego. Um navio de passagem chegou a lhe lançar uma garrafa de vinho espanhol, certa vez. Bastardo sortudo.

Se eu continuasse a ler no ritmo daquele primeiro dia, livros seriam mais uma das provisões que eu esgotaria antes do prazo.

Por fim, já que não conseguia mais ficar parado, corri para fora da casa e, seguindo uma dica, encontrei uma casa a alguns quarteirões de distância em cujo portão havia um cartaz com a palavra "café". Na parte traseira da casa havia uma janela gradeada, e eu passei o equivalente a 40 centavos de dólar pela janela. Uma mulher me serviu um pãozinho com apresuntado. Um copo de suco de papaia me custou mais 12 centavos de dólar. Embora eu tentasse comer devagar, o almoço desapareceu em questão de minutos. A esse ritmo --50 centavos de dólar por refeição-, minha reserva de dinheiro seria consumida rapidamente, e saí daquele quintal prometendo a mim mesmo que jantaria quase nada.

De manhã, notícias piores me aguardavam quando tentei me vestir. Descobri que o zíper de minha calça estava enguiçado. Como parte do meu esforço para parecer e me sentir cubano, só havia levado duas calças na bagagem. Calças são um dos muitos itens não alimentícios também distribuídos como parte da ração, e isso em geral quer dizer apenas uma calça por ano. A maioria dos cubanos se vira com apenas um ou dois exemplares de cada peça de roupa. Por isso, o zíper quebrado teria de ser reparado --em janeiro, não havia distribuição de calças. Depois do fracasso de alguns esforços nada competentes para consertar o zíper sozinho, compreendi que teria de gastar dinheiro, ou trocar alguma coisa, pelo trabalho de um alfaiate. Café da manhã: duas xícaras de café açucarado. Total de 75 calorias.

MERCADO No quarto dia, saí para comprar comida, experiência ridícula. Por sorte, o apartamento que aluguei ficava perto do maior e melhor mercado de Havana, que não é nem tão grande e nem tão bom assim. O mercado era um "agro", ou seja, um sacolão.

Há quem compare esses mercados às feirinhas de produtos orgânicos norte-americanas, mas não havia conversa amistosa entre comprador e vendedor, e sim um ruidoso, lotado e barulhento corredor repleto de bancas vendendo todas o mesmo estreito elenco de produtos, a preços aprovados pelo Estado: abacaxis, berinjelas, cenouras, pimenta verde, tomate, cenoura, iúca, alho, bananas-da-terra e não muito mais.

Numa sala separada, havia carne de porco à venda, pilhas trêmulas de carne rosada e pálida, manipulada por homens de mãos nuas. Carne era um produto além de meu alcance, embora houvesse "gordura" à venda por US$ 1 (27 pesos) o quilo.

Esperei na fila para converter todo o meu dinheiro --18 pesos conversíveis, a moeda forte cubana-- em pesos comuns. A pilha de cédulas desgastadas e sujas que resultou da transação equivalia a 400 pesos, ou cerca de US$ 16, pela cotação do mercado negro de Havana.

Enfrentei as multidões e comprei uma berinjela (10 pesos), quatro tomates (15), uma cabeça de alho (2) e algumas cenouras (13). No balcão da padaria, a mulher que atendia me disse que pães só podiam ser vendidos a portadores de cadernetas de racionamento --mas mesmo assim me vendeu cinco pãezinhos, avidamente apanhando cinco pesos de minha mão. Só fui bem tratado pelo vendedor de tomates, que me ofereceu um tomate de brinde.

DOIS PESOS Cuba tem duas moedas, o peso valioso, oficialmente conhecido como CUC, e chamado de cuc, fula, chavita e convertible; ele foi introduzido para eliminar a presença de moeda estrangeira no país e seu valor deveria equivaler ao do dólar norte-americano, em termos gerais, ao menos antes da comissão de 20% cobrada pela conversão.

A outra moeda é o humilde peso comum (conhecido como peso). Os salários dos cubanos são pagos em pesos comuns, e para comprar qualquer coisa importante eles precisam convertê-los em CUC, à taxa de 24 por um. Uma caixinha de macarrão frito no bairro chinês de Havana custava "72/2,5",em pesos comuns e CUC, respectivamente, e o preço nos dois casos representava cerca de 15% da renda mensal média.

Comprei 1,5 quilo de arroz por pouco mais de 10 centavos de dólar, e um saco de feijão vermelho. Com isso, a conta final subiu a catastróficos US$ 2, por uma quantidade de comida que produziria apenas algumas refeições.

Alguns moleques me seguiram até a saída, murmurando "camarão, camarão, camarão", em um esforço para me vender alguma coisa. Do lado de fora, um homem viu que eu me aproximava e subiu numa árvore, descendo com cinco limões que me ofereceu. (Não era um limoeiro, e sim o lugar em que guardava seus produtos de mercado negro.) Cheguei em casa cambaleando com o peso do arroz e dos legumes, com cara, segundo a mulher de meu senhorio, de homem divorciado a ponto de começar vida nova.

DINHEIRO As calorias acumuladas inevitavelmente me levaram a refletir sobre o outro lado da equação: dinheiro. Como eu conseguiria sobreviver dali a duas semanas, se a cada vez que fizesse compras gastasse US$ 2? Eu continuava a fazer tudo a pé, o que me custava 60 minutos apenas para chegar aos hotéis de turistas em Vedado (nos quais não encontrei mais nenhum sanduíche extraviado), ou para encostar o rosto contra as grades de ferro de algum restaurante, assistindo, em companhia de quatro ou cinco cubanos, à banda que tocava mambo para os estrangeiros.

A cada dia eu era abordado por cubanos que, de uma ou outra maneira, me pediam dinheiro. E sabia que minhas escolhas pessoais seriam igualmente desagradáveis, algumas semanas adiante. Será que eu deveria me posicionar em uma esquina e pedir dólares a desconhecidos? Até que ponto uma pessoa precisa estar faminta para se tornar parecida com a adolescente pela qual passei em uma calçada de Vedado naquela tarde; ela trazia um bebê no colo, mas se voltou para mim e disse: "Deseas una chica sucky sucky?"

CAFÉ Se era questão de chupar alguma coisa, eu já sabia exatamente o quê. Apanhei-me contemplando os Ladas que passavam, para ver se as tampas de seus tanques de gasolina tinham trancas. Com uma mangueira e um recipiente plástico, eu poderia obter cinco litros de gasolina e vendê-la por intermédio de um amigo no bairro chinês. Mas todos os carros de Cuba têm trancas nas tampas do tanque de combustível, ou ficam protegidos atrás de portões trancados, à noite. Já havia homens demais, e bem mais durões que eu, envolvidos nesse tipo de trabalho. Cuba não é terra para ladrões amadores.

Eu precisava de café, mas nenhuma loja tinha estoque desse produto essencial. Nem mesmo a loja do meu bairro que opera com moeda forte tinha café, e visitas repetidas aos supermercados que vendem em dólares, em Vedado, e às lojas de diversos hotéis resultaram em zero café, por todo o mês. Certa vez vi um pacote de meio quilo de Cubacafe, a marca de exportação, à venda em um cinema da Velha Havana. Mas custava 64 pesos, e mesmo que a abstinência de café estivesse me matando, eu não tinha como pagar tão caro, ou andar toda aquela distância de novo. Da janela do meu banheiro, percebi que a loja de produtos racionados estava aberta, e fui até lá.

Em uma prateleira, havia cinco sacos de café. Eram da marca doméstica, Hola, um café claro, em contraposição ao pó escuro do Cubacafe, e o preço era de pouco mais de um peso pelo primeiro pacote de 100 gramas, e de cinco pesos por pacote adicional. Havia cerca de uma dúzia de pessoas disputando o pão e o arroz, e por isso pude estudar as duas lousas nas quais a loja anunciava os produtos disponíveis. A maior delas mencionava os produtos básicos --os primeiros dois quilos de arroz custam 25 centavos de peso; cada comprador pode comprar um quilo adicional por 90 centavos de peso. O limite de compras era de três quilos de arroz ao mês, para prevenir que as pessoas comprassem arroz e o revendessem em busca de lucros. A lousa menor informava sobre os "produtos liberados", e continha uma lista menor de coisas como cigarros e outros bens que podem ser adquiridos sem restrições.

Eu disse "el último", e tomei lugar na fila por trás do comprador que antes era o último. Logo chegou uma mulher com uma sacola plástica nas mãos e disse "el último", e se tornou a última da fila.

O homem que me atendeu sorria mas parecia agitado. Era alto, negro, e usava uma barba rala, mal cuidada. Quando pedi café, fez um gesto negativo com as mãos. Não era preciso explicar: um estrangeiro não tem direito a ração, e de qualquer jeito não havia café. Tentei ganhar tempo, esticando uma conversa à qual ele só respondia com gestos. Perguntei se não havia café em parte alguma, e disse que havia procurado por toda a cidade, sem encontrar. Acrescentei que realmente gostava de café. Sabe?

"Os cubanos bebem muito café", ele por fim respondeu. Tendo estabelecido uma conexão, eu acenei com a cabeça e perguntei se não seria possível conseguir café em algum lugar. "Não", ele respondeu.

Sério? Talvez alguém, em algum lugar? Nem precisa ser muito. Ele meneou a cabeça; o gesto do talvez.

Quem?

"A Sra. __", respondeu.

E onde posso encontrá-la?

Como se estivesse guiando um cego, ele saiu de trás do balcão, me apanhou pelo braço e me conduziu até a rua. Caminhamos apenas 10 passos, sem mudar de calçada. Ele entrou na primeira porta, e distraidamente apertou o traseiro de uma mulher que estava passando. ("Ei!", ela exclamou, furiosa. "Quem você acha que é?") Paramos na porta de um apartamento localizado imediatamente atrás da loja de produtos racionados. Ele bateu. A porta foi aberta por uma mulher com um bebê no colo.

"Café", ele disse.

Paguei com uma nota de 20 pesos. Ela me deu um pacote de Hola e cinco pesos de troco.

"Só isso?" Era três vezes mais que o preço cobrado na loja, a alguns passos de distância, mas descobri mais tarde que os cubanos também têm de pagar o mesmo ágio.

O homem fez que sim com a cabeça. Seu nome era Jesús.

Voltamos à loja. "Pão?", perguntei. Ele perguntou ao seu chefe, que respondeu com um "não" em volume alto o bastante para que a loja toda ouvisse.

Perguntei de novo. Ele repetiu a pergunta ao chefe. Não ouvi um novo não. Passei-lhe a nota de cinco pesos e recebi cinco pãezinhos.

Depois disso, pude comprar tudo que queria. Em companhia de Jesús, ninguém perguntava coisa alguma. Ninguém me pediu para ver minha caderneta de racionamento, nas compras dos itens básicos, e pelo resto do mês paguei o mesmo preço que os cubanos, pela mesma merda de comida.

PEDESTRE No sexto dia, fui a pé aos subúrbios, saindo de meu bairro, Plaza, e passando por Vedado rumo ao oeste, e pelo imenso cemitério de Colón, que abriga os mausoléus e os anjos alados das famílias ricas do passado cubano, bem como os sepulcros de concreto da classe média. Um jovem chamado Andy caminhou comigo por algum tempo, entusiasmado por aprender mais sobre os Estados Unidos. ("todos queremos viver lá"); ele me convidou para conhecer a barbearia de um amigo. Mais tarde, de novo sozinho, passei por alguns cafés, e estudei com atenção todas as pequenas barracas. Uma delas oferecia "pão com hambúrguer" por 10 pesos, o menor preço que havia visto até então. Mas ainda assim seria um gasto alto demais para aquele dia.

Entrei para o mundo dos pedestres de longo percurso, e percorri uma dúzia de avenidas e mais de 20 ruas ao longo de uma hora; encontrei a pequena ponte sobre o rio Almendares que separa Havana propriamente dita da Grande Havana. Os exilados costumam falar com nostalgia sobre o Almendares, cujo percurso tortuoso é marcado por vinhas e imensas árvores, mas sempre o vi como deprimente ou até mesmo um tanto assustador: uma fronteira úmida e lodosa entre a cidade decadente e as grandes (e dispendiosas) casas dos subúrbios a oeste. De uma ponte baixa perto do oceano, consegui ver o que restava da paisagem marinha: uma dúzia de cascos de navios naufragados, alguns barcos dilapidados usados como moradia, e galpões abandonados que no passado serviam como abrigos de embarcações. Só havia dois barcos em movimento: uma lancha da polícia e um pequeno iate sem mastros de cerca de seis metros de comprimento, aparentemente incapaz de chegar à Flórida.

Virei à direita na Miramar, passando por algumas das maiores mansões de Cuba e diversas embaixadas. É a região "dos endinheirados, das empresas estrangeiras e das pessoas com linhagem", diz uma prostituta no romance "Havana Babylon". "Viver em Miramar, mesmo que em um vaso sanitário, é sinal de distinção".

COMIDA ROUBADA Fui perseguido por duas mulheres que acenavam com uma lata imensa de molho de tomate e gritavam "15 pesos! É para os nossos filhos!" Não parei, mas depois percebi que havia cometido um erro. Ao preço de 15 pesos por uma lata em tamanho restaurante, o molho de tomate seria uma pechincha. Comida roubada é a mais barata. E nada poderia ser mais normal em Cuba do que caminhar carregando uma lata gigante de alguma coisa.

Poucos quarteirões adiante, cheguei por acaso ao Museu do Ministério do Interior. A equipe era formada por mulheres com o uniforme do Minint, com ombreiras verdes e saias na altura do joelho. Informaram-me que o ingresso custava dois CUC. Eu não tinha como pagar, é claro. E quanto custa o ingresso para os cubanos? Pergunta errada. Ninguém pechincha com o Minint.

Eu disse que voltaria outro dia, mas fiz hora no saguão de entrada, que serve como local para exposição: uma bancada de metralhadoras, fotos da grande sede do Minint, perto do meu apartamento, e citações em letras grandes de frases de Raúl Castro e outras autoridades, com elogios aos patriotas do Minint por protegerem o país.

Uma das mulheres, que usava o cabelo preso em um coque severo, estava me observando. Embora eu não tivesse fotografado nada e nem tomado notas, ela parecia astuta.

"Quem é você?", ela perguntou.

Eu sorri e comecei a caminhar para a saída.

"Você é jornalista?", ela quis saber.

"Turista", disse, olhando por sobre os ombros e caminhando apressado para a saída.

"Você tem credencial para vir aqui?", ela me perguntou, de longe.

Continuei a caminhar rumo oeste, por mais meia hora. Estava coberto em suor quando cheguei à casa de Elizardo Sánchez, um dos alvos do Minint.

PROGRESSO Quando contei a Sánchez que havia caminhado até sua casa, como parte de um plano para passar 30 dias vivendo e comendo como um cubano, ele me mostrou sua caderneta.

"O nome disso é caderneta de suprimentos", disse ele, "mas é um sistema de racionamento, o mais duradouro do mundo. Os soviéticos não tiveram racionamento por tanto tempo quanto os cubanos. Nem mesmo o racionamento chinês durou tanto." A escassez surgiu logo depois da revolução; o sistema para a distribuição controlada de bens básicos já estava em funcionamento em 1962.

Depois de 50 anos de Progresso, o país está falido, na prática. Em 2009, ervilhas e batatas foram retiradas da ração e os almoços baratos nos locais de trabalho foram reduzidos às dimensões de lanches rápidos.

"Havia rumores sobre retirar coisas da ração, ou eliminar o sistema de vez", disse Sánchez, sobre boatos que cativam os cubanos. Mas esses rumores desapareceram em 1º de janeiro de 2010, quando novas libretas foram distribuídas, a exemplo de todos os outros anos.

ARTES DOMÉSTICAS Sánchez mantém alegre ignorância quanto às artes domésticas. "Dois quilos de arroz a 25 centavos", ele disse, tentando recordar sua ração mensal. "Acho. E mais meio quilo a 90 centavos. Acho. Vamos perguntar às mulheres. Quanto a isso, elas dominam".

Ele chamou a mulher com quem vive, Barbara. Além de trabalhar como advogada em defesa de prisioneiros políticos, ela cozinha e ajuda sua mãe e uma sócia a manter uma padaria na cozinha de sua casa. Elas compraram uma saca de trigo "à esquerda", o que significa que se trata de farinha roubada, comprada de um contato. O custo foi de 30 pesos. Com isso e uma porção de carne moída comprada clandestinamente no açougue, elas fazem pequenas empanadas vendidas a três pesos a unidade, ou cerca de oito por US$ 1. É assim que Cuba se ajeita: as lojas de produtos racionados têm moradores dos bairros como funcionários; eles roubam ingredientes e os vendem aos vizinhos, que produzem alguma coisa com eles e revendem a esses e outros vizinhos. Oito empanadas seriam um bom almoço, mas US$ 1 era preço fora do meu orçamento. Barbara me deu duas delas, e eu as demoli com uma mordida.

Ela ouviu com expressão neutra, quando expliquei minha tentativa de viver dentro dos limites do racionamento. "É um bom plano de dieta", comentou. Outro dissidente que estava visitando a casa, Richard Rosello, entrou na conversa. Ele tem um caderno no qual anota os preços dos produtos nos mercados paralelos, também conhecidos como mercados clandestinos ou mercados mala preta. "Um problema é a comida", disse Rosello. "Mas também temos o problema de como pagar a conta de luz, o gás, o aluguel. O preço da eletricidade está de quatro a sete vezes mais alto que no passado". Elizardo paga cerca de 150 pesos por mês de eletricidade --um quarto do salário médio cubano.

Como sobreviver, portanto? "Os cubanos inventam alguma coisa", disse Barbara. Um dos truques é vender os bens racionados, comprados a baixo preço, pelo valor de mercado. Foi assim que enfim consegui comprar minha porção de 10 ovos. Sem a caderneta de racionamento, não tinha como comprá-los legalmente. Mas ao anoitecer do dia anterior, eu havia esperado perto da loja de ovos local, onde troquei um olhar com uma mulher idosa que estava saindo com 30 ovos --um mês de suprimento para três pessoas. Ela os comprou a 1,5 peso por unidade, e me vendeu 10 deles por dois pesos cada. Voltou à loja e imediatamente comprou mais ovos, lucrando três ovos e alguma sobra de dinheiro com a transação. Os dois caminhamos de volta para nossas casas cuidadosamente, com medo de desperdiçar toda a ração mensal de proteína por conta de um único tropeço.

Barbara aproveitou para apontar um erro terrível em meu plano. Nos últimos anos, a maioria das fontes fora de Cuba reporta que a ração inclui 2,5 quilos de feijão preto. Mas há anos isso não é verdade. A porção do mês era de apenas 200 gramas.

Dez mil calorias haviam desaparecido do meu mês em um piscar de olhos.

Para atenuar o golpe, Barbara decidiu me convidar para um "típico" almoço cubano. O primeiro prato é arroz --a dois ou 2,5 quilos por mês, esse grão é o alimento básico da dieta cubana. A porção diária de arroz reservada a cada cidadão poderia ser guardada em uma lata de leite condensado. Trata-se de arroz vietnamita de baixa qualidade, conhecido como "creole", "feio" ou "microjet", este último termo uma referência zombeteira a um dos planos de Fidel para irrigar safras agrícolas por meio de um sistema de aspersão por gotas. O almoço típico inclui meia lata de arroz (a outra metade fica para o jantar); era uma massa grudenta, mas minha fome ajudou a considerá-lo saboroso.

Depois, uma terrina de sopa de feijão. Cada terrina continha apenas alguns feijões, mas o caldo era rico, reforçado com ossos de boi. ("20 pesos o quilo, para os ossos", disse Barbara. "Muita gente não tem como comprá-los".)

Eu não comia carne bovina havia seis dias.

Depois, ela me deu meia batata doce. "Muito melhor que a batata comum, em termos de nutrição!", disse Elizardo, de algum lugar do corredor.

Também me serviram um ovo frito, ainda que Elizardo tenha apontado, em novo grito, que "se você comer um ovo hoje, não poderá comer amanhã". Ou depois de amanhã.

O ovo caiu muito bem. Dadas as dimensões reduzidas do meu estômago, a refeição toda, incluindo as duas pequenas empanadas, pareceu perfeitamente adequada. Mastiguei os ossos, extraindo pequenos pedaços de carne. Era minha melhor refeição em alguns dias. Barbara guardou cuidadosamente o óleo da frigideira. Richard, com seu caderninho de preços, expôs a matemática dessa forma de alimentação.

Uma "cesta mensal" de comida racionada (que dura apenas 12 dias) custa 12 pesos por pessoa, de acordo com as contas do governo. Nos 10 dias seguintes de cada mês, as pessoas precisam comprar o mesmo volume de comida por 220 pesos, nos diversos mercados livres, paralelos e negros. E ainda assim isso só conduz o cidadão ao 22º dia do mês. As despesas mensais envolvidas em manter o mesmo padrão de alimentação seriam de 450 pesos --o que supera a renda de milhões de cubanos, e isso sem incluir roupas, transportes ou produtos para a casa.

Ninguém mais consegue comprar pratos e xícaras. Eles são roubados de empresas estatais, quando possível, e vendidos no mercado negro. Quanto a roupas, é preciso comprá-las usadas, em mercados de troca conhecidos como troppings, um trocadilho com o apelido das lojas que vendem em moeda forte. Pessoas cuja comida acaba vasculham latas de lixo ou se tornam alcoólatras para atenuar a dor, disse Richard.

Elizardo voltou à sala. "Não estamos falando do Haiti, ou do Sudão", disse. "As pessoas não caem nas ruas, mortas devido à fome. Por quê? Porque o governo garante dois ou 2,5 quilos de açúcar, que tem alto teor calórico, e uma porção diária de pão, e arroz suficiente. O problema em Cuba não é a comida ou as roupas. É a completa falta de liberdade cívica, e portanto de liberdade econômica, o que é exatamente o motivo para que exista a libreta, para começar".

Como no resto do mundo, o problema da comida na verdade é um problema de acesso, de dinheiro. E o problema de dinheiro é um problema político.

No sétimo dia, eu repousei. Deitado na cama com Victor Hugo, perdido na contemplação daquele teste da bondade humana, era fácil esquecer por uma hora que minhas gengivas doíam, que minha garganta estava repleta de saliva.

Havana está mudando, como as cidades costumam. A região central foi colocada sob o controle de Eusebio Leal Spengler, o historiador da cidade. Leal recebeu prioridade especial para materiais de construção, mão de obra, caminhões, ferramentas, combustível, encanamentos e até mesmo torneiras e vasos sanitários. Mas não é por isso que as pessoas o amam. Em lugar disso, explicou meu amigo, o acesso "privilegiado" a suprimentos significa simplesmente que há mais para roubar.

Uma amiga estava reformando a casa na esperança de alugar aposentos para estrangeiros, e passados alguns minutos ouvimos um caminhão freando na rua, e o estrondo de uma grande buzina. O marido dela me fez um sinal apressado, e abrimos juntos a porta da frente. Havia um caminhão parado à porta. Em 60 segundos, três pessoas, entre as quais eu, descarregaram 250 quilos de sacos de cimento Portland. O marido passou algum dinheiro ao motorista, notas amarfanhadas, e o caminhão partiu imediatamente.

O caminhoneiro havia faturado com material de construção destinado a alguma obra. Passamos meia hora transferindo o cimento a um canto escuro de um quarto dos fundos, recobrindo os sacos com uma lona, porque as letras da embalagem eram impressas em azul, o que configura propriedade do Estado. Os sacos com letras verdes são destinados à construção de escolas. Os sacos reservados ao uso dos cidadãos comuns vêm impressos em vermelho, e custam US$ 6 a unidade, nas lojas do Estado.

Ao contrário da maioria dos funcionários cubanos, Leal de fato fez diferença na vida dos cidadãos. Reconstruiu os velhos hotéis; meus amigos roubaram 250 quilos de cimento para construir seu novo bangalô para turistas. Restaurou um museu, e meus amigos roubaram telhas de zinco para os telhados. Enviou caminhões carregados de madeira ao bairro, e metade da carga desapareceu.

Tudo é propriedade do Estado. As pessoas se apoderam de tudo. Um sistema de racionamento operando em modo reverso.

Ajudar no roubo do cimento foi meu primeiro grande sucesso. Por meia hora de trabalho, recebi um prato imenso de arroz com feijão vermelho, acompanhado por uma banana e uma porção de picadillo --pelo menos 800 calorias.

SEGUNDA SEMANA A segunda semana foi mais fácil. As duas pequenas prateleiras do apartamento estavam bem abastecidas de arroz e feijão, algumas batatas doces compradas por 1,70 peso o quilo, e minha garrafa de uísque contrabandeado, ainda pela metade. Eu tinha nove ovos, depois oito, e depois sete, ainda que a geladeira fora isso estivesse vazia.

Deixei de lado luxos como os sanduíches (ou sanduíche --comprei só um, e a despesa ainda me causava pesadelos). No décimo dia, constatei que me restavam 100 pesos. Como no caso dos ovos, eu era capaz de imaginar uma lenta e cuidadosa redução ao longo dos próximos 20 dias, mas tanto meu orçamento quanto minha dieta podiam ser arruinados caso eu tropeçasse e deixasse uma gema cair no chão.

Tudo dependia de quanto o arroz duraria. Já que só me restavam cinco pesos por dia para gastar, eu não poderia mais fazer compras grandes durante a minha estadia. Aprendi a controlar o apetite e a passar sem me deter pelas filas de cubanos que adquirem pequenas bolas de farinha frita a um peso. Meu único luxo foi uma barra de manteiga de amendoim endurecida, produzida artesanalmente por agricultores, que comprei por cinco pesos em um agro.

Com cuidado, essa barra de tamanho equivalente a seis colherinhas de amendoim moído rusticamente e pesadamente açucarado podia durar até dois dias. É normal ver os campesinos mais pobres mascando essas barras, que eles embrulham cuidadosamente e guardam depois de cada mordida.

TRABALHO Outra coisa que eu tinha em comum com a maioria dos cubanos é que absolutamente não trabalhei durante meus 30 dias. O que significa que trabalhei muito e com grande frequência em meus projetos pessoais.

Carreguei cimento e removi cascalho por dinheiro, e escrevi bastante, mas não se tratava de trabalho para o Estado, o tipo de trabalho computado nas contas da Cuba oficial, onde mais de 90% das pessoas são funcionários do Estado.

Por que procurar emprego? Ninguém leva seu trabalho a sério, e a piada mais velha de Havana continua a ser a melhor: "Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos".

Os cubanos que ignoram convocações oficiais ao trabalho podem ser acusados de serem "elementos perigosos", um delito vago e passível de pena de até quatro anos de prisão. Ser um elemento perigoso é um "pré-crime", disse Elizardo Sánchez --como se a polícia tentasse cortar pela raiz as atitudes negativas antes que a pessoa tenha a oportunidade de cometer um crime real.

Há campanhas regulares para deter os jovens que tentem evitar o trabalho estatal e o serviço militar, e este ano elas se provaram especialmente vigorosas, um sinal de nervosismo. "Não é fácil se esconder do governo", disse Sánchez. "Os meninos precisam se registrar para futuro serviço militar aos 15 anos de idade. Às vezes tentam mudar de endereço, mas não funciona. Para um jovem, é difícil permanecer escondido. Cuba é uma sociedade de arquivos. Da primeira série em diante, a polícia para crianças nas ruas e lhes solicita documentos de identidade. Podem fazer contato pelo rádio e pegar a ficha completa".

CARAMELO Com isso, eu tinha tempo de sobra. Naquela noite, ouvi música ao longe e encontrei uma série de palcos montados ao longo da rua 23, e assisti a um bom show de rock sob a luz da lua. Sentei-me no pedestal de alguma obscuridade heróica --uma mãe estendo os braços para entregar o filho à batalha. Depois de algum tempo, uma menininha de sete ou oito anos se aproximou e sentou perto de mim.

"Caramelo?", disse. (Doce?)

"Não tenho".

"Nenhum?"

"Nada".

"Mas nenhum, mesmo?"

"Não".

Então vieram as perguntas usuais: de onde você vem, onde mora, por que está por aqui. E de novo: "Não tem dinheiro nenhum?"

"Não tenho".

"Mas os estrangeiros sempre têm muito dinheiro".

"Sim, tenho dinheiro no meu pais. Aqui, vivo como se fosse cubano".

"Me dá um peso?"

Não posso. A verdade, pequena, é que estou no meio de um jogo. Estou fingindo ser pobre. Estou vivendo como seus pais, por algum tempo. Não como há nove horas. Nos 11 últimos dias, comi 12 mil calorias a menos do que minha dieta normal disporia. Meu dentes doem muito.

Ou, traduzido para o espanhol: "Não".

MIL CALORIAS Por fim, voltei para casa, onde uma celebração muito desejada me aguardava. Era sexta-feira, a noite da semana em que eu comeria carne. Ainda que o dia até aquele momento tivesse sido um de meus piores --apenas mil calorias até as 21h, e longas caminhadas-, estava determinado a compensar tudo aquilo com um banquete. Preparei arroz, e cozinhei uma batata doce na panela de pressão --que os cubanos apelidam de "aquela que Fidel nos deu", porque foram as panelas distribuídas como parte de um esquema de economia de energia. Também tomei uma preciosa dose de uísque com gelo (250 calorias), tudo isso acompanhado por arroz e feijão que sobraram do dia anterior. Por necessidade, servi apenas porções pequenas.

Do refrigerador, tirei minha proteína: um dos quatro filés de frango empanados a que tinha direito para o mês. Acendi o fogão com cuidado, e fritei o filé até que sua crosta ficasse escura, ainda que ao servi-lo o interior estivesse frio e úmido. Não era carne de frango. Não era nem mesmo a "mistura de frango" que a embalagem dizia ser. Os principais ingredientes mencionados eram pasta de soja e trigo. Uma inspeção mais cuidadosa revelou que o teor de carne de frango era zero. Eu estava comendo uma esponja empanada, com apenas 180 calorias. Ah, meu reino por um McNugget.

Por fim, cruzei a barreira das duas mil calorias pela primeira vez em 10 dias --por pouco. Descontando os muitos quilômetros de caminhadas e alguns minutos de dança, retornei à familiar referência das 1,7 mil calorias. Mas pelo menos estava de barriga cheia quando fui dormir.

Ou era o que eu imaginava. Depois de duas horas de sono, acordei com insônia, a companheira da fome. Fiquei na cama da uma da manhã até o alvorecer, cinco horas de briga contra mosquitos e de leitura de Victor Hugo e Alexandre Dumas père.

Ainda assim, não é possível comparar minha situação a uma fome real. Como aponta Hugo: "Por trás da arte de viver com muito pouco, está a arte de viver com nada". Mergulhei nos milhares de páginas da França do século 19, em dois escritores que descrevem revoluções, marchas forçadas e fome real. "Quando a pessoa não comeu", escreve Hugo, "a sensação é muito estranha... Ela rumina aquela coisa inexprimível, a amargura. Uma coisa horrível, que envolve dias sem pão e noites sem sono". E assim chegou a aurora, minha 12ª.

TELEFONEMA Repentinamente, sorte e felicidade. Na noite seguinte, eu estava sentado à porta do meu edifício, observando a rua, quando meu vizinho se aproximou vindo do beco, trazendo um telefone. Um telefonema. Para mim.

Era a amiga de um amigo, em visita a Cuba com seu namorado. Os dois eram claramente norte-americanos, do tipo "que bom que nós existimos", e eu imediatamente farejei a possibilidade de uma refeição grátis. O casal havia chegado a Havana e, porque não conheciam a cidade e nem falavam espanhol, me convidaram para jantar.

Saímos a passeio pelas ruas de Vedado, e eu evitei cuidadosamente pedir comida, tentando parecer estóico. Jantamos em um restaurante para turistas, e pela primeira vez desde minha chegada comi carne de porco.

Na tarde seguinte, voltamos a nos encontrar. Eu os levei a uma cerimônia de iniciação na Santería, uma hora de tambores e calor sufocante em um pequeno apartamento, durante a qual pelo menos três pessoas foram possuídas por espíritos. Depois, recebi novo convite para jantar em um restaurante elegante.

Mais carne de porco!

Os cubanos preparam lechón, um inocente leitãozinho, marinado em um molho de alho e laranjas azedas, e cozinham o prato por muitas horas; a carne fica macia a ponto de poder ser comida com a colher. Para acompanhar a reluzente proteína e gordura, serviram-nos arroz com feijão, exatamente aquilo que eu comia duas vezes por dia em meu apartamento. A porção servida equivalia a quatro refeições para mim, expliquei.

"Desculpe", disse o namorado enquanto se servia, "mas vou comer sua quinta-feira".

Como as centenas de cubanos a quem servi de anfitrião ao longo dos anos, tive de trabalhar pela minha comida. Falei sobre a história dos cultos afrocubanos. Sobre a história de edifícios que nunca visto. Sobre a ilha vista pelos olhos de Capone, Lansky, Churchill e Hemingway. Fiz piadas sobre o socialismo. Discorri sobre a arte do racionamento. O segredo do daiquiri. Nas duas noites, comi carne de porco, acompanhada por arroz e feijão e um par de coquetéis.

A despeito da carne, não registrei grande avanço nas calorias consumidas --apenas 2,1 mil ao dia, ante minhas 1,7 mil usuais. Mas as refeições ajudaram meu bem estar psicológico. Eu havia conseguido uma folga, como que um feriado, depois da ansiedade causada pela redução de meu estoque de alimentos básicos.

LIXO Na manhã seguinte, encontrei uma mulher vasculhando meu lixo. Ela estava em busca de garrafas de vidro ou qualquer outra coisa de valor. Dei-lhe minhas calças de zíper enguiçado. Ela tinha 84 anos, a idade de minha mãe, e vivia com uma aposentadoria de 212 pesos ao mês, ou pouco mais de US$ 8. Vasculhava latas de lixo em busca de produtos aproveitáveis --para fúria de minha faxineira, que considerava ter direito ao conteúdo das latas- e trabalhava como colera, ou profissional de espera em filas, para cinco famílias moradoras do quarteirão.

Ela levava suas cadernetas de racionamento à bodega, retirava e entregava os mantimentos a elas, e por esse trabalho recebia cerca de 133 pesos. Estava usando uma bombinha de asma que custava 20 pesos, ou cerca de 75 centavos de dólar, mas apenas a primeira dose era comprada a esse preço; se a pessoa precisasse de mais de uma ao mês, teria de recorrer ao mercado negro, pagando alguns dólares por unidade.

Para agradecer pelas minhas calças, ela informou que a padaria "livre" tinha estoque. Estava falando da padaria não racionada, onde qualquer pessoa está autorizada a comprar pão. O preço é quatro vezes mais alto que o das padarias racionadas, mas há muito mais pão. Apanhei uma sacola plástica e caminhei oito quarteirões (passando por três padarias racionadas que estavam fechadas) para comprar um pão inteiro por 10 pesos.

No meu caminho de volta, uma mulher que ia na direção oposta perguntou: "A padaria tem pão?", e acelerou o passo, diante da resposta.

Depois, quando passei por dois homens que jogavam xadrez sob uma figueira, um deles fez a mesma pergunta.

"Sim, há pão", respondi.

Os dois guardaram as peças, enrolaram o tabuleiro e se foram na direção da padaria.

Meu café da manhã havia sido uma pequena e dura banana da terra, comprada de um homem em um beco. Com café e açúcar, ela representava menos de 200 calorias. O almoço consistiu de um ovo acompanhado por duas fatias do pão que eu tinha comprado, ou seja, mais 380 calorias.

Eu tinha US$ 3 na carteira, e mais 17 dias para sobreviver.

Um erro catastrófico. Andei a tarde toda, e o teor de açúcar no meu sangue estava baixo. Quando passei por um beco curto no qual havia um cartaz com a palavra "pizza", parei e pedi uma. A pizza básica --um disco de 15 centímetros de massa tenuamente recoberto de ketchup e um pouquinho de queijo- custa 10 pesos, mas cedi a um impulso e pedi uma especial, com chorizo. Assim, meu lanche custaria 15 pesos.

No meu apartamento, coloquei a pizza na mesa e a contemplei, horrorizado. Os 15 pesos equivaliam a horríveis US$ 0,60, e estourariam meu orçamento. Pelo mesmo montante, eu poderia ter comprado quilos de arroz.

Contemplando a minúscula pizza, menor que uma fatia de pizza norte-americana, comecei a tremer e tive de me sentar. De repente, comecei a chorar. Por bons 10 minutos, solucei e me amaldiçoei. Imbecil! Tolo! Idiota!

TENSÃO Eu havia gasto um quinto do dinheiro que me restava por impulso, e agora só tinha 64 pesos para viver pelos próximos 17 dias. O que me aconteceria? O que eu comeria quando meus feijões, cujo estoque já estava baixo, acabassem? E se eu cometesse outro erro? E se fosse roubado? Como chegaria ao aeroporto no último dia se não tivesse nem mesmo alguns centavos para pagar o ônibus?

Chorar libera não só tensão e medo como endorfinas. A pizza e eu esfriamos juntos. Comi com cuidado, usando garfo e faca, e bebendo água gelada. A "refeição" durou menos de dois minutos. Foi o ponto mais baixo do meu mês.

Algum tempo depois, bateram à minha porta. A filha de um dos vizinhos estava do lado de fora. "Patri!", ela gritou. "Patri!"

Abri a porta e ela me entregou uma caixa de sapatos. Era pesada, e estava envolta em fita adesiva. Um visitante havia passado por lá --outro norte-americano que estava em visita a Cuba-, e quando a abri encontrei um bilhete da minha mulher e do meu filho pequeno, e três dúzias de biscoitos de chá feitos em casa.

Comi 10 deles. Da emboscada à fuga. Das lágrimas à paz. Da danação à alegria. Racionei o restante dos biscoitos: cinco ao dia até que o estoque se reduzisse, e depois dois ao dia; por fim, desmontei a caixa com uma faca e comi as migalhas que encontrei nos cantos.

ESPELHO Uma vez por dia, eu cedia à vaidade e me olhava no espelho sem camisa, vendo um homem que não contemplava há 15 anos. Eu havia perdido primeiro dois, depois três, por fim quatro quilos. Mas estômago e mente se ajustaram com facilidade assustadora.

Minha primeira semana havia sido dolorosa e acompanhada por uma fome mortal. A segunda, dolorosa e apenas moderadamente faminta. Agora, na terceira, ainda que estivesse comendo menos que nunca, me sentia tranquilo, tanto física quanto mentalmente.

O dia havia sido o pior da viagem até aquele momento, com apenas 1,2 mil calorias consumidas, o equivalente ao que os prisioneiros norte-americanos recebiam dos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.

Voltei à casa dos meus amigos ladrões de cimento e, depois de uma longa espera, a mulher me cozinhou um jantar generoso, rolando de rir da minha "experiência". Ela fritou (em óleo roubado de uma escola) uma porção de carne de frango moída (comprada de um amigo que a roubara), e serviu com arroz "feio" da ração e uma pequena beterraba. Depois da refeição, ela até me fez gemada, mas em porção cubana --um golinho, em uma xícara pequena de café. Também comi algumas colheradas de papaia (um peso a porção, em um mercado barato que ela recomendou), cozido com xarope de açúcar.

"É impossível", ela disse, sobre minha tentativa de ser oficialmente cubano. Para sobreviver, todo mundo precisa de "algo extra", alguma renda excluída do sistema. O marido dela alugava um quarto para um turista sexual norueguês. A vizinha vendia almoços a trabalhadores de uma empresa cujo refeitório fora fechado recentemente. A mãe dela caminhava pelas ruas com uma garrafa térmica e xícara, vendendo cafezinhos. Uma vizinha na rua ao lado roubava óleo de cozinha e revendia por 20 pesos a garrafa de meio litro. Outra vizinha roubava carne de frango e a vendia por 33 pesos o quilo. ("Boa qualidade, preço muito bom, você devia comprar", ela aconselhou.)

A refeição que ela serviu foi a única que comi naquela dia, e as calorias consumidas foram compensadas por uma espantosa caminhada não através de Havana mas em torno da cidade, um circuito extenso pelas ruas carcomidas, passando por grandes hotéis, casas encardidas, pessoas dormindo sem teto e sentadas em caixotes, sem descanso, as horas da manhã, tarde e noitinha girando, pelas largas avenidas e becos estreitos, passando por Plaza, Vedado, Centro, Velha Havana e chegando a Cerro antes de voltar a Plaza de novo, três, seis, 10, 13 quilômetros, passando pela estação rodoviária, estádio de futebol, os sapatos furados de tanto andar, até que voltei para dormir.

Meus pés estavam doloridos. Mas meu estômago não tinha queixas.

Eu costumava dizer que, em Cuba, 10% de tudo era roubado, para revenda ou reaproveitamento. Agora creio que a proporção real seja de 50%. O crime é o sistema.

Na calçada diante da minha loja de produtos racionados, um dia, vi um adolescente com cabelo cortado em estilo punk, sentado em seu reluzente Mitsubishi Lancer, de motor ligado, e brincando com o que achei ser um iPhone. "Não é um iPhone", ele me corrigiu. "É um iPod Touch".

O aparelho é vendido por US$ 200, ou 5,3 mil pesos. Algumas pessoas têm dinheiro, mesmo aqui. A única certeza é a de que não ganham esse dinheiro de nenhuma maneira legítima.

Caminhei até o amplo hotel Riviera, cujo salão de jogos de azar foi fechado devido à nacionalização apenas um ano depois de inaugurado. (O proprietário, Meyer Lanski, disse, famosamente, que "tive azar nos dados".) Pesei-me na balança da academia de ginástica: 90 quilos. Em 18 dias, eu havia perdido quase cinco quilos, um ritmo de redução de peso que teria resultado em hospitalização nos Estados Unidos.

A caminho de casa, uma mulher perguntou onde passava o ônibus P2. Atrapalhei-me para responder. "Ah, achei que você fosse cubano", ela disse. Mude de peso, mude de nacionalidade. Ri de seu engano e continuei andando, mas não demorou um minuto para que ela me seguisse.

"Ei, me leve para almoçar", ela disse. "Onde você quiser". Fiz que não com a cabeça. "Almoço", ela disse, enquanto eu me afastava. "Jantar. Como preferir".

Em casa, abri a geladeira e contei os cinco ovos que me restavam.

Como a mulher em busca do P2, eu havia me tornado direto. Caminhei três quilômetros até Cerro, um bairro perigoso. Passei por um beco no qual restos enferrujados de caminhões repousavam, por um estádio esportivo derruído, por um parque de vegetação descuidada, por um bosque, e cheguei à porta de entrada do Ministério do Interior. É o famoso edifício com uma estátua gigante de Che Guevara. Dois soldados de boinas vermelhas estavam de guarda.

O edifício do Minint costuma ser fotografado o tempo todo, devido à escultura de Che que o tornou famoso, mas ninguém quer entrar. Ignorei os guardas e continuei caminhando pelo asfalto rachado da imensa Plaza da Revolución. Do lado oposto, caminhando com cuidado, passei pela entrada de um edifício baixo mas colossal, posicionado ao final de uma larga esplanada. Era o Conselho de Estado, o núcleo do sistema revolucionário; nele, Raúl Castro comanda o trabalho dos principais funcionários cubanos. Soldados das forças especiais armados de pistolas e cassetetes protegem a entrada; o governo se sente seguro a ponto de ter apenas um par de pistolas me separando de Raúl.

Caminhando a esmo, e ocasionalmente em círculos, passei por Cerro e outros bairros até encontrar a casa de Oswaldo Payá, um dos mais importantes dissidentes de Cuba. Falamos de política, cultura, neoliberalismo e direitos humanos, mas o que me chamou a atenção foi sua situação econômica pessoal. "Meu salário é de 495 pesos por mês", disse. "Isso equivale a cerca de 10 refeições para quatro ou cinco pessoas. Os salários não cobrem um quinto de nossas necessidades alimentícias.

Um sanduíche de 10 pesos e um refrigerante de um peso consomem metade do meu salário diário. Se somarmos a despesa de ir ao trabalho e voltar para casa, e os meus três filhos que estão na escola, precisamos de 10 a 12 pesos por dia para transporte --ou seja, 50% a 60% da renda familiar total". Ele sobrevive graças a um irmão que vive na Espanha e envia dinheiro.

"O paradoxo é que os trabalhadores são as pessoas mais pobres de Cuba. Vivemos todos pior que o sujeito que vende cachorro quente no posto de gasolina da esquina" (uma empresa autorizada a vender em moeda forte). A maioria das pessoas não tem CUC, e voltam para casa famintas a cada noite.

"Não digo que tudo em Cuba seja ruim, ou terrível. Temos esquemas de distribuição para alimentar os pobres, para conceder benefícios. Mas essa é outra forma de dominação, mantendo as pessoas pobres para sempre. Se minhas mãos estivessem livres, eu abriria um negócio e me sustentaria sozinho".

Perguntei-lhe onde alguém poderia conseguir dinheiro para um iPod Touch ou qualquer das outras engenhocas, produtos de luxo, carros moderno, aparelhos de som e roupas elegantes que são cada vez mais comuns em Cuba. "Viver de salário equivale a ser pobre", disse. "Todos precisam roubar o sistema para sobreviver. É a corrupção tolerada da sobrevivência". Uma minúscula classe média emergiu: "Empresários, quase todos antigos funcionários do governo, pessoas que operam restaurantes. São todos ligados ao regime.

A maioria ex-militares ou funcionários do Ministério do Exterior, e assim por diante. Pessoas bem conectadas. Estão dentro do sistema. São intocáveis". E existe um terceiro grupo, incrivelmente pequeno e "indescritivelmente" próspero, dentro da liderança, "com casas grandes, viagens ao exterior, tudo. O povo cubano sabe que esse grupo existe, mas ninguém jamais os vê, não há como".

Ao longo de uma hora de conversa, sua mulher, Ofelia, empregada doméstica e também ativista dos direitos humanos, me serviu um copo de suco de abacaxi. Quando o assunto estava se esgotando, Oswaldo insistiu que eu voltasse para uma refeição e um mojito, "quando quiser".

Não saí da cadeira. A conversa sobre futuras refeições me deixou com água na boca. Ofelia percebeu, e logo ouvi o ruído de fritura na cozinha. Comemos sopa de tomate, arroz e lentilhas amarelas. Ela serviu uma porção de proteína, uma mistura cinzenta que pensei ser picadillo do governo porque tinha gosto de soja e restos de alguma coisa que um dia tivesse sido um animal.

Mas Ofelia tirou a embalagem da cesta de lixo. Era carne de peru "separada mecanicamente" produzida pela Cargill, dos Estados Unidos, parte das centenas de milhões de dólares em produtos agrícolas vendidos a Cuba a cada ano sob uma cláusula de isenção do embargo. Era quase intragável, mesmo com a fome que eu sentia, mas Ofelia tinha um sorriso largo nos lábios. "Muito melhor que o peru que comprávamos antes", disse.

Quando eu estava saindo, Oswaldo tentou me dar 10 pesos. "Qualquer cubano faria isso por você", disse. Ele me aconselhou a gastar o dinheiro em comida, mas recusei, devolvendo as notas. Não podia aceitar dinheiro de uma fonte, ainda que meus escrúpulos não se estendessem a recusar uma refeição. Ele insistiu. No final, para evitar a caminhada de volta à minha casa, aceitei uma moeda de um peso para o ônibus.

Oswaldo caminhou comigo pelas ruas de seu bairro perigoso, repletas de adolescentes que nos encaravam, e me levou ao ponto de ônibus.

"Use calças compridas", foi seu conselho final. Só turistas circulam de shorts.

BEBIDA Fazia tempo que meu uísque havia acabado, e era difícil apreciar Cuba sem beber. Oswaldo Payá reforçou essa sensação ao dizer que "uma boa bebida é um dos direitos que todos temos". Era hora de fazer algo para beber.

O único alimento que eu tinha de sobra era açúcar --eu nem me dera ao trabalho de comprar minha cota de açúcar bruto, porque em três semanas havia consumido menos da metade de meus 2,5 quilos de açúcar refinado.

Fazer rum é um processo simples, ao menos em teoria. Açúcar mais fermento resultam em álcool. Destilar o produto resulta em álcool ainda mais forte. Eu jamais havia destilado álcool, mas tinha visitado a destilaria Bushmills, na Irlanda do Norte, pouco antes da viagem a Cuba e, reforçado com anotações baseadas no livro "Chasing the White Dog", de Max Watman, decidi que procuraria a felicidade alcoólica, mesmo que aos tropeços.

O primeiro passo é produzir um mosto, ou solução de baixo teor alcoólico. Eu já tinha o açúcar. Fui a uma padaria livre, onde uma multidão de consumidores desapontados esperava que as máquinas produzissem uma nova fornada de pães. Na porta dos fundos, chamei uma padeira com um gesto e perguntei se podia comprar fermento.

"Não", ela disse. "Não temos o suficiente nem para nós". Seguindo o ritual ao qual já me acostumara, continuei a conversa, tentando conquistar sua atenção, e não demorou para que ela esticasse o braço pela cerca e me desse meio saco de fermento --fabricado na Inglaterra. Tentei pagar, mas ela recusou.

Depois de submeter a prosa de Watman a engenharia reversa com a ajuda de uma calculadora, só me restava esperar que minhas contas estivessem mais ou menos certas. Um quilo de açúcar requereria cerca de quatro litros de água. Bem ao estilo de Havana, a água provou ser o maior obstáculo: a água encanada da cidade vem repleta de magnésio. Meu senhorio tinha um filtro de água coreana, mas estava quebrado

Fonte: Folha. com - http://bit.ly/e2LNdY

"TOP GUN" NO EXÉRCITO CHINÊS


A já baixa credibilidade da rede estatal chinesa CCTV foi abalada ainda mais na semana passada, quando reportagem sobre um novo jato do Exército de Libertação Popular foi ilustrada com imagens do filme “Top Gun”, o sucesso hollywoodiano de 1986 que transformou Tom Cruise em uma celebridade global.
A cena que supostamente seria protagonizada pelo caça chinês J-10 mostra o disparo de um míssel durante um vôo e a subsequente destruição de outro jato, que explode de maneira espetacular no ar. Talvez excessivamente espetacular. Alguns atentos integrantes da legião de 457 milhões de internautas chineses identificaram a semelhança entre a explosão e uma cena de “Top Gun” e o caso se espalhou pelos fóruns online e microblogs do país.
Apesar do enorme constrangimento provocado pela revelação, a CCTV não se desculpou nem se manifestou sobre o assunto. Apenas retirou a reportagem de seu site. Mas antes disso, ela já havia sido copiada por internautas. A situação é mais embaraçosa porque a China está em uma campanha contra a publicação de noticias supostamente falsas, que já levou ao afastamento de jornalistas por falhas muito menos graves e é vista por entidades em defesa dos direitos humanos como mais um instrumento a serviço da censura e do controle da informação.
Aqui vocês podem ver a comparação entre o filme e a reportagem da CCTV feita pelo Wall Street Jour


NA VÉSPERA DA ELEIÇÃO DA CÂMARA, LÍDER DO PMDB MANDA RECADO AO GOVERNO.

- Já de olho na reabertura das indicações do segundo escalão no governo, Henrique Eduardo Alves (RN), reconduzido pela quinta vez ao cargo de líder do PMDB, defendeu nesta segunda-feira maior espaço do partido no governo Dilma Rousseff. Ele avisa que não aceitará que o PMDB seja achincalhado e manda recado ao governo. ( Leia também: Mabel envia carta a Dilma e reafirma que não desistirá da candidatura à presidência da Câmara )


- Nunca vi um partido ser tão injustiçado e agredido como nos últimos 2 meses. Nunca apanhei tanto, os perfis que recebi os adjetivos mais leves eram de aliado incomodo e fisiológico. Isso não me atemoriza, vou continuar lutando por espaços de um partido que lutou para ganhar a eleição - disse o líder, em reunião para discutir a indicação do partido para a 1ª vice- presidência da Casa.

No discurso, Henrique Alves defendeu que a resposta ao governo seja política, ou seja, nas votações. As declarações foram dadas um dia antes da eleição da Mesa da Câmara e do Senado.

- Os governos passam, o PMDB fica - afirmou.

- São 37 ministérios, e quantos não conseguiram nomear secretários executivos do mesmo partido? Dois, do PMDB: Saúde e Turismo. Na Saúde são 1262 cargos, só dois do PMDB. Quando interessa o Temporão é do PMDB, e quando não interessa, o ministério não é do PMDB - disse o líder.

Na opinião de Henrique Alves, o PMDB venceu a eleição junto com Dilma e tem direito às indicações:

- Não vou mais aceitar isso. Ganhamos o governo para governar com ética. Temos o direito de indicar nomes qualificados porque seremos cobrados nas ruas pela co-participação nesse governo

Ele garantiu também que o partido não será um aliado incomodo. No entanto, deixou claro o recado:

- A presidente Dilma pode ficar sossegada. Somos co-aliados , não sou um aliado incomodo. O caminho que o PMDB quer construir no governo não tem o medo, omissão, covardias ou safadezas. É o caminho da verdade, coragem e do desassombro.


Fonte: O Globo -  http://glo.bo/dHzFyo

SÓ POR CONCURSO. "RETRATOS DO BRASIL"


Verdade PURA

O cara termina o segundo grau e não tem vontade de fazer uma faculdade.

O pai, meio mão de ferro, dá um apertão:

- Ahh, não quer estudar? Bem, perfeito. Vadio dentro de casa eu não

mantenho, então vai trabalhar...

O velho, que tem muitos amigos, fala com um deles, que fala com outro

até que ele consegue uma audiência com um político que foi seu colega

lá na época de muito tempo atrás:

- Rodriguez!!!! Meu velho amigo!!! Tu te lembra do meu filho? Pois é,

terminou o segundo grau e anda meio à toa, não quer estudar. Será que

tu não consegue nada pro rapaz não ficar em casa vagabundeando?

Aos 3 dias, Rodriguez liga:

- Zé, já tenho. Assessor na Comissão de Saúde no Congresso, R$

9.000,00 por mês, prá começar.

- Tu tá loco!!!!! O guri recém terminou o colégio, não vai querer

estudar mais, consegue algo mais abaixo...

Dois dias depois:

- Zé, secretário de um deputado, salário modesto, R$ 5.000,00, tá bom assim?

- Nãooooo, Rodriguez, algo com um salário menor, eu quero que o guri

tenha vontade de estudar depois....Consegue outra coisa.

- Olha Zé, a única coisa que eu posso conseguir é um carguinho de

ajudante de arquivo, alguma coisa de informática, mas aí o salário é

uma merreca, R$ 2.800,00 por mês e nada mais....

- Rodriguez, isso não, por favor, alguma coisa de 500,00, 600,00, prá começar.

- Isso é impossível Zé!!!*

- Mas, por que???*

- PORQUE ESSES SÃO POR CONCURSO, PRECISA TÍTULO SUPERIOR, MESTRADO,


CURRICULUM, ANTECEDENTES, EXPERIÊNCIA PRÉVIA... É DIFÍCIL...

O SEQUESTRO DA HEVEA BRASILIENSIS (SERINGUEIRA)

Hiram Reis e Silva, Itacoatiara, AM, 31 de janeiro de 2011.


“Perdido na mata exuberante e farta, com o intento exclusivo de explorar a hevea apetecida, o seringueiro compreende, de pronto, que a sua atividade se debaterá inútil na inextricável trama das folhagens, se não vingar norteá-la em roteiros seguros, normalizando-lhe o esforço e ritmando-lhe o trabalho tão aparentemente desordenado e rude”. (Euclides da Cunha – “Entre os Seringais” – Revista Kosmos, 1906)




Planta tropical de ciclo perene cultivada com a finalidade de produção de borracha natural. A seringueira é encontrada nas margens dos rios e terrenos sujeitos a inundação da terra firme podendo atingir, em condições ideais, trinta metros de altura. A produção de sementes inicia aos quatro anos, e pouco antes dos sete anos a produção de látex. O diâmetro do tronco varia entre trinta e sessenta centímetros e a sua casca é responsável pela produção da seringa. Submetida a um manejo adequado poderá produzir, economicamente, por um período de vinte a trinta anos. A Hevea, nativa, tem como área de ocorrência toda a Amazônia brasileira, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana, sendo que a brasileira, dentre todas as espécies, a que apresenta maior produtividade. Dentre as diversas doenças e pragas que atacam a espécie, o “mal-das-folhas”, Causado pelo fungo “Microcylus ulei”, é o mais conhecido e temido, e um dos principais fatores que restringem a expansão da heiveicultura no Brasil.

- A Árvore da Borracha - Seringueira

A borracha já era conhecida pelos indígenas antes do descobrimento da América. O Padre d’Anghieria, em 1525, observou índios mexicanos fazendo uso de bolas elásticas em seus jogos. O missionário Carmelita Frei Manuel da Esperança, em 1720, verificou que os índios Cambebas faziam uso da borracha para fabricar garrafas e bolas em forma de seringa. O Frei Manuel resolveu, então, dar à substância o mesmo nome do objeto fabricado com ela – “seringa”. O nome foi consagrado e, desde então, chamam-se de seringueiros aqueles que extraem o sumo leitoso da “Hevea” e a de seringais às plantações de onde ele é extraído.






Viagem na América Meridional – Descendo o Rio das Amazonas
Fonte: Charles Marie de La Condamine.

La Condamine tinha vindo à América com a missão de medir um grau do meridiano e ao retornar à França levou uma amostra da goma elástica obtida na Amazônia Peruana, em 1.736, para ser examinada. Na sua apresentação aos cientistas da Academia de Ciências de Paris, em 1745, informou que os índios Omáguas davam o nome de “cahuchu” à resina retirada da “hevea”. Na oportunidade os membros da Academia não lhe deram a devida atenção, pois os produtos manufaturados com a substância tornavam-se pegajosos no calor e esfarelavam-se quando resfriados. Graças a Condamine a seiva da “hevea” ficou conhecida, na França, como “caoutchouc”.

“A resina chamada ‘caucho’ nos países da província de Quito vizinhos do mar é também comuníssima nas margens do Maranhão, e tem a mesma utilidade. Quando ela está fresca, dá-se-lhe com moldes a forma que se quer; ela é impenetrável à chuva, mas o que a torna digna de nota é a sua grande elasticidade. Fazem-se com elas garrafas que não são friáveis, e botas, e bolas ocas, que se achatam quando se apertam, mas que retornam a sua primitiva forma desde que livres. Os portugueses do Pará aprenderam com os Omáguas a fazer com essa substância umas bombas ou seringas que não necessitam de pistão: têm a forma de peras ocas, com um pequeno buraco em uma das extremidades a que se adapta uma cânula. Enchem-se d’água, e, apertando-se quando estão cheias, fazem o efeito de uma seringa ordinária”. (CONDAMINE)

O látex produzido pelo caucho (Castilloa ulei), citado por Condamine, é de qualidade bastante inferior ao do produzido pela “hevea” sendo, ainda, sua extração extremamente predatória. O caucheiro após identificar a árvore, limpa um local, próximo a ela, e escava um buraco no chão para coletar o leite. Derruba a árvore e, em seguida, faz cortes profundos para extrair o leite que escorre para dentro do buraco. Quando o produto solidifica ele o retira e dá algumas pancadas para limpar a areia e o barro aderido.

- Abertura das “Estradas”
Fonte: Euclides da Cunha - Entre os Seringais - Revista Kosmos..




“(...) o mateiro lança-se sem bússola no dédalo (Labirinto) das galhadas, com a segurança de um instinto topográfico surpreendente e raro. Percorre em todos os sentidos o trecho de selva a explorar; nota-lhe os acidentes; apreende-lhe a fisiografia complexa, que vai dos igapós alagados aos firmes sobranceiros às enchentes; traça-lhe os varadores futuros; avalia-lhe, rigorosamente, as ‘estradas’; e vai no mesmo lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas, escolhendo à beira dos igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se as pequenas barracas dos trabalhadores.

Feito este exame geral, apela para dois auxiliares indispensáveis - o toqueiro e o piqueiro (trabalhador que auxilia na abertura de estradas abrindo a picada); e erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as longas palmas da jarina, um papiri (tapiri), onde se abriguem transitoriamente, metem mãos à empreitada. O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala o primeiro pé de seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri. É a boca da estrada. Aí se lhe reúnem o toqueiro e o piqueiro - prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de ordinário pouco distante, a uns cinquenta metros. Avisa então com um grito particular, ao toqueiro, que parte a alcançá-lo junto da nova madeira, enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai tirando a facão a picada, que prefigura a ‘estrada’. O toqueiro auxilia-o por algum tempo, abrindo por sua vez um pique para o seu lado, enquanto um outro grito do mateiro não o chame a reconhecer a terceira árvore; e assim em seguida até ao ponto mais distante, a volta da estrada. Daí, agindo do mesmo modo, retrogradando por outros desvios, vão de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que termina no ponto de partida. Ultima-se o serviço que dura ordinariamente três dias, ficando a ‘estrada’ em pique”.

- Extração da Borracha

Antigamente para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que aparava a seiva e a conduzia até o pote. Este processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava por matar a árvore e foi abandonado há muito tempo. Com o passar dos anos o método tornou-se mais racional visando preservar a integridade da “árvore da vida”.

O seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada, carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”. Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de aproximadamente dois metros acima do solo. Une depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada uma argila para fixá-la no tronco. Os cortes são feitos, normalmente até as onze horas, em todas as árvores da “estrada”, exceto nos meses de agosto e setembro época da floração. Pelo meio-dia ele começa a recolher as cumbucas despejando o látex coagulado nas cuias em um balde ou então em um saco “encauchado” (impermeabilizado com látex).

A tarde, por volta das catorze horas, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto. O fogo é feito debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão. A melhor fumaça é a de coco de babaçu, mas, no Rio Purus usava-se para esta operação os frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e onde estas palmeiras são mais raras utilizavam-se madeiras como a carapanaúba e a paracuúba. A bola de borracha (“pela”) é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de comprimento chamada “cavador”. Para iniciar a bola enrola-se na vara um “tarugo” de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O homem vai despejando o leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai engrossando, cada dia um pouco mais. Uma “pela” pronta, depois de vários dias, pesa em média de 50 quilos, é, então, exposta ao sol, quando toma a coloração escura e assim permanece até ser comercializada.

- Primeiros Empregos da Borracha

A borracha foi empregada inicialmente em usos elementares como apagar traços de lápis no papel. Foi Magellan quem propôs este uso e Joseph Priestley, na Inglaterra, difundiu-o e a borracha recebeu, em inglês, o nome de “India Rubber”, que significa “Raspador da Índia”. Os portugueses a utilizaram para a fabricação de botijas para transporte de vinhos. Em 1785, o físico francês Jacques Alexandre César Charles, pioneiro do uso do gás hidrogênio para encher balões aerostáticos, recobriu seu aeróstato com uma camada de borracha dissolvida em essência de terebentina e a partir de 1790 começou a aplicá-la sobre tecidos e empregá-la na fabricação de molas.

Em 1815, Thomas Hancock, tornou-se um dos maiores fabricantes do Reino Unido, inventando um colchão de borracha e, associou-se à Mac Intosh, para fabricar as capas impermeáveis. Nadier, um industrial inglês, em 1820, fabricou fios de borracha e começou a usá-los em acessórios de vestuário. A América foi assolada, então, pela “febre” da borracha e logo, em seguida, apareceram os tecidos impermeáveis e botas de neve na Nova Inglaterra. A fábrica de Rosburg foi criada, em 1832, mas, como os artefatos de borracha natural sofriam sob a influência do frio e do calor os consumidores logo se desinteressaram dos seus produtos.

Charles Goodyear, em 1836, havia conseguido um contrato, com o Departamento de Correios dos EUA, para fornecer sacos postais de borracha. O problema é que os sacos de borracha eram muito ruins. Goodyear não querendo perder o importante contrato comercial realizou diversas pesquisas para produzir uma borracha de melhor qualidade, misturando dezenas de substâncias à borracha. Três anos depois, surgia a borracha “vulcanizada”, em homenagem a Vulcano, deus romano do fogo.

Em 1842, Hancock de posse da borracha vulcanizada por Goodyear, descobriu o segredo da vulcanização, fazendo fortuna. Em 1845 R.W. Thomson inventou o pneumático, a câmara de ar e a banda de rodagem ferrada. Em 1850 já se fabricavam brinquedos de borracha e bolas (para golfe e tênis). Em 1869, Michaux, inventou o velocípede que provocou o desenvolvimento da borracha maciça, depois da borracha oca e, em consequencia, à reinvenção do pneu, que havia caído no esquecimento. Michelin, em 1895, adaptou o pneu ao automóvel e desde então a borracha ocupou um lugar preponderante no mercado internacional.

- O Ciclo da Borracha

O Brasil inicia, a partir de 1827, a exportação da borracha natural. Charles Goodyear inventa o processo de vulcanização na década de 1840, possibilitando a produção industrial de pneus. No final do século XIX a recém criada indústria de automóvel estava em franca expansão e, com isso, a demanda pela borracha aumentou consideravelmente. O Brasil exportava, então, toneladas de borracha, principalmente para as fábricas de automóveis norte-americanas. A necessidade de atender a demanda crescente do produto gerou uma expansão demográfica importante na região, oriunda, principalmente, do nordeste do país. Em 1830, a população da cidade de Manaus que era de três mil habitantes passou, em 1880, para cinquenta mil. O aumento da população e da renda per capita estimulou o comércio e contribuiu para a construção civil e de obras de infra-estrutura, era o período áureo da Borracha.


Manaus - Auge do ciclo da borracha.



- Victor Wolfgang Von Hagen Reportando Richard Spruce

Richard Spruce havia partido de Santarém, a 8 de outubro de 1850, para percorrer os afluentes do Amazonas e depois de quatro anos embrenhado nas selvas do Peru e da Venezuela, coletando exemplares da flora e da fauna, aportou em Manaus. Von Hagen faz uma interessante descrição do retorno do naturalista e de suas impressões a respeito do “boom da borracha”. Adoentado, Spruce, resolvera regressar a Manaus para passar uma temporada de repouso com os amigos mas, antes mesmo de aportar, no seu destino ele verificou que algo de anormal estava acontecendo, o tráfego era mais intenso e apressado.

“E o tráfego não esmoreceu quando eles se foram aproximando da pequena cidade. Canoas coalhavam o rio; caprichosos batelões com gigantescas toldas de popa, botes com imensas pilhas de mercadorias passavam velozes. Nisso, Spruce viu a cidade e quase não acreditou no que via! Não um, mas três barcos a vapor estavam atracados num cais muito bem feito. O fumo que deitavam era como nuvem negra que se erguia no ar imoto. Barcos a vapor no Amazonas!... Que portento!... Ao desembarcar, ficou abismado vendo as ruas cheias de gente: brancos, morenos, pretos, estrangeiros arrastando mercadorias a toda pressa, como se fossem formigas carregadeiras. Sobre o molhe, pilhas enormes de pedaços de borracha negra e manchada de fumo, esperavam a hora de ser transportada para os vapores ofegantes. A cidade toda havia mudado. Estava o dobro do que era; novos prédios haviam surgidos e no armazém do Sr. Antônio (Henrique Antony) a confusão era enorme. Comprava-se tudo – fósforo, espingardas, os mais variados artigos, aos berros e empurrões, agitando na mão o dinheiro para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto o fabuloso Eldorado? O Sr. Antônio viu, do escritório anexo, a chegada de seu velho amigo e veio de lá com os braços abertos para receber Spruce.





- Meu Deus! – disse o botânico, alvoroçado – que foi que aconteceu, Antônio?

- O senhor não sabe? – respondeu o italiano. Não sabe, Sr. Ricardo? Nós descobrimos as riquezas fabulosas. Quem manda agora é a borracha! Estamos na época da borracha!

Richard Spruce tinha estado muito tempo isolado na selva para entender a coisa. Borracha? Sim, borracha! Mas, e aquela azáfama? Um caucheiro barbudo, suando muito e bebendo ainda mais, perguntou a Spruce, com espanto, por onde havia andado. A borracha, que poucos anos antes custava 3 centes o quilo, agora estava 1 dólar e 50, e cada vez subia mais. Cada dia que um explorador de borracha deixava passar, era dinheiro que perdia. A procura de objetos de borracha crescia constantemente com a expressão da indústria. Até mesmo no ‘Palácio de Cristal’, onde os ingleses realizavam a primeira exposição universal, os produtores de borracha atraíram verdadeiras multidões. A guerra também lhe deu o seu impulso. A luta inevitável entre os estados livres e escravos da América do Norte, estava principiando a devorar toneladas de viscoso líquido extraído da árvore chamada ‘Hevea braziliensis’. De tal modo a procura superava o fornecimento, que a cada semana o preço subia.

Ninguém podia resistir à coisa. Manaus, que as lendas do passado davam como a sede do Eldorado, tornara-se efetivamente Eldorado. O ouro corria como água nas suas ruas e a cidade inteira palpitava com o recrudescimento do sonho de riqueza. Os índios que antes se embriagavam com rum, agora mergulhavam seu ‘Weltschmerz’ em champanha. Comia-se até ‘patê de foie gras’, geléia de ‘Cross & Blackwell’, biscoitos de ‘Huntley & Palmers’, bebiam-se vinhos importados. Podia-se sentar a uma mesa para jantar e tinha-se manteiga vinda de Cork, biscoitos de Boston, presunto do Porto e batatas de Liverpol.

Caixeiros e barbeiros, homens de certa posição e mamelucos que no passado mourejavam para ganhar um punhado de mil-réis, agora tinham visões de milionários. Embrenhavam-se na ignota região do Amazonas com uma confiança que causava espanto a Richard Spruce. Seria possível que aqueles loucos não fizessem idéia do lugar para onde iam? O caucheiro começava sua vida de um modo simples. Arranjava dinheiro, vendia a alma a um patrão para lhe pagar em borracha, comprava uma piroga e mantimentos – farinha, peixe seco, garrafas de vinho, sal, artigos caros de importação – depois adquiria mercadorias e, no fim de tudo, machetes com que cortar e fazer porejar todas as árvores de borracha que encontrasse. De muitos que se haviam metido na empresa de obter a borracha e alcançar a glória, nunca mais se teve notícia. Muitos outros voltaram, com o espanto gravado na fisionomia, cheios de rugas pelos sustos que levaram, contando que se viram perdidos, que tinham curtido as torturas e incômodos da fome, da sede, da febre e das intempéries, que tinham lutado incessantemente contra enxames de insetos que não se saciavam de mordê-los e chupar-lhes o sangue. Referiam as suas tristes aventuras ao atravessarem pauis insondáveis, cheios de enguias elétricas e florestas com arbustos e cipós que lhe retalhavam a carne.

Spruce queria ver o progresso chegar ao Amazonas, mas nunca supôs que ele lá seria introduzido dessa maneira. Velhos negociantes que noutros tempos comerciavam em insignificantes quantidades com a opulência da Amazônia, eram agora verdadeiros nababos. Ébrios com o seu triunfo e com a champanha importada, descreviam para Spruce o que seria Manaus dentro de poucos anos. E, por mais que carregassem nas tintas do quadro, tudo o que diziam ainda seria inferior à realidade: dentro de 25 anos Manaus se transformou da aldeia de 3.000 almas que era, na populosa e alucinante metrópole de seus 100.000 habitantes. Transatlânticos fariam escalas obrigatórias junto às suas docas flutuantes, teatros líricos de mármore seriam construídos, bondes elétricos atravessariam velozmente suas ruas calçadas, capital estrangeiro superior a 40 milhões de dólares seria aplicado na cidade edificada sobre o pântano do ouro negro.


TEATRO AMAZONAS


Richard Spruce sentiu um arrepio ao pensar naquilo que ele inconscientemente tinha ajudado a formar. Suas mudas, seus espécimes de produtos de borracha tinham estado em exposição e haviam contribuído para fomentar aquele negócio. Agora não havia mais de deter-lhe o avanço. A extração da borracha prosseguia com um entusiasmo que nunca fora igualado por nenhum outro movimento desde a descoberta do Novo Mundo. Essa indústria haveria de tragar os silvícolas. Tribos inteiras de índios seriam dizimadas. A borracha subiria ao preço fantástico de 3 dólares o quilo! Os magnatas da borracha escravizaram o Amazonas inteiro; a cobiça e a ambição aumentariam com o clamor sempre crescente do mundo para obter borracha... Ninguém sabe quanto tempo poderia ter durado o delírio da borracha, mas o famoso ‘seed-snatch’ de Henry Wickman pos-lhe fim. O ouro negro tornou-se lama negra e, por volta de 1900, o pântano da selva engoliu o sonho de um viçoso Eldorado”. (HAGEN)

- Os Rapinantes Europeus

Os laboratórios europeus descobriram outras aplicações para o uso do látex dando início ao Ciclo Industrial da goma elástica. Os empresários europeus, sobretudo os ingleses, mobilizaram seus esforços na tentativa de transplantar a seringueira para suas possessões orientais localizadas na região tropical. Vários botânicos e viajantes foram contratados para tentar contrabandear sementes e mudas de “Hevea”, mas, inicialmente, além de encontrarem dificuldades em burlar a fiscalização das autoridades alfandegárias brasileiras esbarravam na escassez de transportes fluviais.

“Em 1850, Sir William Jackson Hooker, de Kew Gardens, sondara Richard Spruce (então em Santarém) no sentido de obter mudas da árvore da borracha. Spruce tentou atendê-lo, mas sem contar com o transporte adequado a missão era impossível. Entretanto, fez um estudo meticuloso de todas as árvores que produziam borracha, e essas preciosas informações foram enviadas a Hooker, em Kew Gardens, que agia como conselheiro oficial, junto ao governo, em assuntos botânicos. O Brasil, naturalmente, se opôs a que levassem para fora plantas de borracha”. (HAGEN)

Apesar das observações de Hagen, Richard Spruce, um dos maiores botânicos e exploradores da Amazônia, foi, sem dúvida, o mais eficiente biopirata pretérito. Nascido na Inglaterra, em 1817, de família muito pobre, Spruce se ressentiu de dificuldades financeiras por toda a vida. Foi um naturalista profissional, ainda que de formação autodidata. Spruce desembarcou em Belém em julho de 1849, onde se encontrou com Wallace e Henry Bates. Estava a serviço de pelo menos onze herbários europeus para coletar amostras e enviá-las aos interessados. Em 1864, quando viajou de volta para a Inglaterra, levou pelo menos 30 mil plantas, além de mapas, sem considerar uma infinidade de sementes que já havia enviado por outros meios. Entre essas sementes estavam diversas espécies de seringueiras, produtoras de látex, além de plantas para uso medicinal. Após 17 anos de trabalho na Amazônia, Spruce, repercute os interesses imperialistas bretões lamentando:

“Quantas vezes lamentei o fato de não ser a Inglaterra dona do magnífico vale do Amazonas, em vez da Índia. Se o papalvo (indivíduo simplório, pateta) Rei Jaime II, em vez de meter Raleigh na prisão e depois cortar-lhe a cabeça, tivesse continuado a fornecer-lhe navios, homens e dinheiro até ele formar um estabelecimento permanente num dos grandes rios da América, não tenho dúvida de que todo o continente americano estaria neste momento nas mãos da raça inglesa”. (SPRUCE)

Em 1851, Thomas Hancock, inventor do elástico, dono da Macintosh&Company, a maior indústria britânica de produtos derivados da borracha, presenteou o príncipe Albert com uma barra de borracha em que estava inscrito o seguinte poema: “O ramo do comércio foi criado para associar todos os ramos da humanidade. Cada clima necessita o que outros climas produzem e, assim, oferecem algo para o uso geral de todos”. Atendendo aos interesses de Hancock, Sir William Jackson Hooker, diretor do “Royal Botanic Gardens, Kew”, prontificou-se a “oferecer toda e qualquer ajuda para quem desejar transferir a seringueira do Brasil para o território imperial”. Ainda assim, somente a partir de 1870, por pressão das autoridades inglesas radicadas na Índia, que o “India Office”, de Londres, passou a considerar com seriedade o assunto. Era uma questão estratégica piratear a borracha do Brasil e, em 1873, o “India Office” alocou pessoal e recursos financeiros para contrabandear mudas e sementes de seringueira.

- Aventuras e Desventuras de um Biopirata
Fonte: José Augusto Drummond, Boletim Museu Emílio Goeldi - Ciências Humanas, 2009



                                                            Henry Alexander Wickham
“Joe Jackson, jornalista e escritor norte-americano, escreveu essa densa e curiosa biografia do cidadão inglês Henry Alexander Wickham (1846-1928), famoso por ter furtado, em 1875, sementes da seringueira e levá-las para a Inglaterra. (...) Foi um aventureiro de um só feito. Era pessoalmente desinteressante, estabanado nas suas ações, monocórdico nas suas obsessões e previsível nos repetidos fracassos dos seus empreendimentos e da sua vida pessoal.

Um único episódio bem sucedido, em meio a uma trajetória cheia de tropeços, explica a fama que justifica o resgate da memória sobre Wickham nesta sua biografia, 80 anos depois de sua morte. Para os brasileiros, especialmente os amazônidas, no entanto, a fama quase pontual de Wickham tem especial e dolorosa relevância. O dia da vitória de Wickham foi o dia da derrota da Amazônia brasileira. Wickham foi o responsável por um dos atos mais famosos e consequentes do que hoje chamamos de ‘biopirataria’ - o furto de sementes da seringueira (Hevea brasiliensis) de seu habitat amazônico. Em 1875, aos 29 anos de idade, Wickham embarcou em Santarém, Pará, com destino à Inglaterra, carregando semi-clandestinamente 70.000 sementes de seringueira, colhidas na baixo Rio Tapajós.

Quarenta anos depois, esse furto premeditado poria fim ao boom econômico e financeiro da borracha nativa extraída na região amazônica. Nas quatro décadas que se seguiram ao furto, cientistas, administradores coloniais e fazendeiros ingleses aprenderam a plantar a árvore e formaram vastas, ordeiras e homogêneas plantações (na Índia, Sri Lanka e Malásia, primeiramente) e a extrair o látex em escala industrial. A enorme produção e a alta qualidade desse látex ‘domesticado’ fizeram com que, a partir de 1914, ele dominasse o mercado internacional. Os seringais nativos da Amazônia viraram relíquias falidas, quase instantaneamente. Em 1905, a região produzia 99,7% da borracha comercializada no mundo; em 1914, a cifra caíra para 39%, chegando a apenas 6,9% em 1922. O plantio ‘racional’ da seringueira liquidou a extração do látex nativo das seringueiras distribuídas ‘irracionalmente’ pela floresta amazônica. Foi o fim de uma era para a região.

Kew Gardens, o jardim botânico real da Inglaterra, situado em Londres, contratou formalmente Wickham para fazer esse furto, com a intermediação do cônsul inglês em Belém. Depois de vacilações e atrasos, Wickham foi feliz na seleção das sementes (grande quantidade, boa qualidade e isentas de doenças) no interflúvio dos rios Tapajós e Madeira, nas matas de terra firme perto de Boim, pequena localidade na margem esquerda do baixo Rio Tapajós. Teve sucesso também ao burlar a vigilância da aduana brasileira no porto de Belém. A sua boa sorte continuou com a baixa mortalidade das sementes durante a longa viagem marítima até a Europa.

Wickham protagonizou, portanto, um eficaz ato de biopirataria, cujas consequências só se materializaram 40 anos depois. (...) Um detalhe biográfico ressaltado pelo autor capta bem a gênese do espírito aventureiro de Wickham. Como adolescente, ele ficou impressionado com a forte repercussão de um episódio de biopirataria. Em 1859, o mesmo Kew Gardens promoveu, também na Amazônia, o furto de várias espécies do gênero Cinchona, arbustos de cujas cascas se retira quinino, usado até hoje no combate aos efeitos da malária. O autor desse outro ato famoso de biopirataria, Richard Spruce, renomado botânico inglês, conseguiu coletar exemplares de cinchona nas florestas tropicais de altitude do Equador e enviá-las para a Inglaterra. Mais tarde, elas foram cultivadas com sucesso em vários pontos do império britânico.

Jackson destaca que o bem sucedido furto de Wickham veio na esteira imediata de quatro anos de marasmo nos quais ele tentou se estabelecer como seringalista e fazendeiro nas imediações de Santarém, sem sucesso. Ainda antes disso, ele fizera excursões aventureiras quase fatais na Nicarágua e na Venezuela, das quais saiu falido, ferido e acometido de malária. Um dos pontos mais interessantes da narrativa de Jackson é que ele mostra que o furto das sementes não mudou a sorte pessoal de Wickham, embora o furto tenha tido repercussões econômicas enormes.

É verdade que Kew Gardens pagou a Wickham a quantia combinada, mas ficou apenas nisso. Diretores e cientistas de Kew bloquearam as duas maiores ambições do biopirata. Ele desejava, primeiro, participar dos estudos de domesticação da seringueira e da eventual distribuição de mudas e sementes a jardins botânicos e fazendeiros ingleses nas colônias tropicais da Inglaterra na Ásia. Segundo, ele queria se tornar um dono de seringais plantados e um produtor de látex, ou seja, um dono de ‘plantation’, em alguma dessas colônias. Jackson mostra que os aristocráticos cientistas de Kew não confiavam em Wickham, duvidavam dos seus conhecimentos sobre a planta e desprezavam a sua origem plebeia e a sua pouca instrução formal. Wickham foi excluído das fases de domesticação da árvore e da expansão dos plantios.

Nem a sua ‘boa fama’ de biopirata ficou incólume. Jackson documenta como a própria equipe de Kew ajudou a espalhar a história de que as mudas e sementes transferidas para Ásia descendiam de um outro lote de sementes, igualmente furtado e transferido do Brasil, por outro biopirata inglês, Robert Cross, também a serviço de Kew. Cross era um respeitado veterano das expedições que transferiram para o mesmo Kew Gardens exemplares da cinchona sul-americana, arbusto de alto valor por causa de suas propriedades medicinais. Ele coletou as sementes de seringueiras em torno de Belém, poucos meses depois de Wickham entregar as suas sementes em Londres.


Seringais na Ásia

Ressentido, mas não desanimado, Wickham logo partiu para outras aventuras, em outras terras, nas quais tentou se estabelecer como fazendeiro. Jackson narra coloridamente as suas passagens por Austrália, Honduras Britânica e Papua Nova Guiné. Faltou documentação para que Jackson montasse uma narrativa mais completa delas, mas o autor deixa claro o padrão de sucessivas aventuras e fracassos de Wickham.

Depois de sua estadia de quase cinco anos no Brasil, Wickham passou cerca de dez anos (1876-1886) em Queensland, na Austrália. Plantou café e fumo em terras compradas com o dinheiro ganho com as sementes de seringueira, mas foi à falência. A partir de 1886, tentou a sorte na Honduras Britânica. De novo, não teve sucesso como fazendeiro, tendo perdido as suas terras por causa de dívidas e documentação fundiária inadequada, embora tenha ocupado cargos de escalão intermediário no governo colonial inglês. Em 1895, Wickham estabeleceu-se num remotíssimo arquipélago de 23 ilhas de coral (Contract Islands), na extremidade leste da Papua Nova Guiné. Por cerca de cinco anos produziu coco e mamão, cultivou ostras, coletou esponjas marinhas e lesmas do mar e caçou tartarugas marinhas. Vítima de intermediários comerciais - iguais aos que na Amazônia o impediram de se tornar um seringalista -, mais uma vez o sucesso lhe escapou. Acabou endividado e foi praticamente expulso das ilhas. Desta vez, foi abandonado pela esposa Violet, uma valente inglesa, que o acompanhara ao Brasil, à Austrália, às Honduras Britânicas e a essas ilhas.

Wickham retornou à Inglaterra pouco depois de 1900, mas ainda fez viagens ocasionais às possessões coloniais britânicas no Extremo Oriente. Continuava com o projeto de ser um grande fazendeiro. Investiu em uma plantação de seringueiras na Nova Guiné e em outra de piquiá, na Malásia, planta que ele conhecera no Brasil. Elas não foram para frente.

Quase aos 60 anos de idade, Wickham ainda era um cidadão inglês quase anônimo e cronicamente falido. No entanto, como destaca Jackson, em torno de 1905 abriu-se uma nova era para ele. Começou a ser reconhecido como o ‘herói provedor’ das sementes de seringueira e, indiretamente, como corresponsável pelo espalhamento dos seringais e pelas riquezas que elas geraram. A borracha agora estava criando grandes fortunas para aqueles que plantavam seringueiras e se tornara imprescindível para a industrialização dos países ricos. O nome de Wickham ganhou fama ao mesmo tempo em que crescia a importância da borracha como commodity global.

À falta de outros sucessos, Wickham navegou com prazer na fama tardia conferida pelo seu feito biopirata de 30 anos antes. Publicou uma espécie de manual de cultivo da seringueira, incluindo um relato cheio de bravatas sobre o furto de 1875. Foi contratado como consultor de plantadores de seringueiras em várias colônias inglesas. Comparecia a eventos científicos e comerciais sobre a borracha, como um misto de perito em borracha e de celebridade. Ganhou prêmios em dinheiro de associações de plantadores de seringueiras, em reconhecimento do seu pioneirismo. Em 1920, recebeu da coroa inglesa um título de ‘Cavaleiro’ e uma pensão vitalícia, pelo seu papel na expansão do império britânico. Morreu na Inglaterra, em 1928, sozinho, sem familiares por perto e, como sempre, falido. Jackson o descreve de forma impiedosa nos seus últimos anos: ‘Agora ele era simplesmente um personagem, uma figura amarga, cômica, com uma cabeleira branca e um bigode de leão marinho, que investia contra as novidades modernas dos plantadores de borracha da Malásia cujos bolsos ele enchera”.

- A Decadência do Ciclo da Borracha

A heveicultura foi lançada pelos ingleses e holandeses em suas colônias asiáticas cujo clima era semelhante ao clima tropical úmido da Amazônia. Na década de 1890, as heveas, tinham se adaptado, perfeitamente, ao meio natural da Ásia. Em 1900, as plantações se estendiam às colônias inglesas do Ceilão, Malásia e Birmânia e a holandesa na Indonésia. Os resultados foram fantásticos, foi um sucesso agronômico e econômico. Em consequência, iniciou-se o colapso do ciclo da borracha, com um gradual esvaziamento econômico da região amazônica. Além da concorrência com produto Oriental, adveio uma praga nefasta nas seringueiras nativas, era o “mal-das-folhas”.

Fonte: Wikipédia, Google - Hiran Reis e Silva