"Os que encontro no meu país não são os mesmos que conheci nos EUA. Isolam-se socialmente. Vivem pretensiosamente. São barulhentos e ostentam demais." A citação é do livro Americano Feio, de William Lederer, escrito em 1958.
Semana passada, quando o primeiro ministro chinês, Hu Jintao, chegou a Washington, seus marqueteiros jogaram pesado. A ofensiva publicitária tomou conta das ruas, das manchetes e dos lares americanos, com dezenas de spots comerciais e um documentário de 30 minutos sobre a China moderna veiculado pelo canal CNN.
Celebridades globais, como o craque da liga de basquete Yao Ming, o pianista Lang Lang e o cineasta John Woo cantaram as virtudes do Império do Meio. A rasgação de seda ficará em cartaz nos painéis luminosos da Times Square, por onde passam 1,7 milhões de pessoas por dia, até meados de fevereiro.
Parece charme, mas é um golpe preventivo. Há tempos, a China virou alvo predileto dos americanos, convencidos de que o monstro dos países emergentes é o exterminador do seu futuro. Nenhuma sessão no Congresso e nenhum bate-papo em programas de rádio seria completo sem uma investida contra o dragão asiático, que, pelo que se ouve, está empenhado em roubar empregos, travar uma guerra suja cambial e afogar o mercado com máquinas, roupas e bugigangas baratas.
Ainda é cedo para se saber se a campanha de Pequim surtirá efeito. A portentosa China tem também um problema de imagem de seu tamanho. Mas bem que a missão simpatia poderia se esticar um pouco para o sul do continente. Muita bobagem já saiu do disco rígido de Julian Assange, mas graças ao WikiLeaks temos hoje um retrato razoável das atitudes e preocupações da diplomacia americana e de seus interlocutores. Visto há anos na África e na Ásia como um país predador, a China tampouco está bem na fita no Novo Mundo.
Empresários brasileiros e argentinos acusam as indústrias chinesas de dumping de manufaturados baratos e clamam por novas salvaguardas contra importações. Legisladores erguem barreiras à compra de terra por estrangeiros para conter o furor aquisitivo chinês.
Os países das Américas se orgulham de receber os imigrantes de braços abertos. Mas e se as economias começarem a perder o fôlego? Os novos forasteiros que chegam com capital, ambição e planos - já são 100 mil chineses na Argentina - também serão saudados como hermanos?
Segundo um comunicado de 2009, divulgado pelo WikiLeaks, as empresas chinesas já são tachadas de "gafanhotos", de acordo com Christopher Beede, do Consulado Americano em Xangai, ao relatar uma conversa com estudiosos chineses. Os depoimentos aparentemente refletem um sentimento popular. Em diversos países, sindicalistas reagem à contratação de mão de obra chinesa, funcionários "importados" que não comem com os nativos, dormem em bairros exclusivos e não fazem questão de falar espanhol ou português.
Um exemplo preocupante é San Juan de Monarca, no Peru. Desde os anos 90, operários peruanos na cidade travam uma longa batalha com a siderúrgica Shougang, que sustenta uma elite de funcionários chineses com privilégios, restaurantes próprios e moradia separada. A empresa já foi multada por não cumprir um projeto de investir na infraestrutura municipal.
Mesmo quando a China é louvada, a apreciação vem tingida de frustração. Aos diplomatas americanos, o cônsul argentino em Xangai, Eduardo Ablin, se disse grato à empresa americana Kentucky Fried Chicken por ter "viciado" os chineses em comer asas de frango frito (de aves fornecidas de granjas argentinas). Ao mesmo tempo, ele se queixou do ritmo lento de investimentos chineses. "Há muito mais conversa do que ação", disse Ablin aos americanos.
Nenhuma surpresa nisso. O ressentimento é o reverso da dependência. E a da América Latina com relação à China só cresce. Quase nula na região há 20 anos, Pequim hoje toma um espaço imperial. De 2000 a 2009, as importações chinesas da região cresceram oito vezes, de $5 bilhões a $44 bilhões.
No mesmo período, as vendas chinesas para as Américas disparam, de $4,5 bilhões para $42 bilhões. A China hoje é o parceiro comercial mais importante do Brasil e do Chile e, logo mais, segundo previsões, será do Peru. Até 2015, a China deve ultrapassar a União Europeia em suas trocas com as Américas Central e do Sul.
Não faz muito tempo que a ascensão de um novo poder na região alegraria qualquer nacionalista latino-americano mordido com o poder ostensivo e a arrogância dos gringos - os tais americanos feios que mandavam e desmandavam. Agora, os gringos falam mandarim.
Fonte: O Estadão. http://bit.ly/hIYmAG
Semana passada, quando o primeiro ministro chinês, Hu Jintao, chegou a Washington, seus marqueteiros jogaram pesado. A ofensiva publicitária tomou conta das ruas, das manchetes e dos lares americanos, com dezenas de spots comerciais e um documentário de 30 minutos sobre a China moderna veiculado pelo canal CNN.
Celebridades globais, como o craque da liga de basquete Yao Ming, o pianista Lang Lang e o cineasta John Woo cantaram as virtudes do Império do Meio. A rasgação de seda ficará em cartaz nos painéis luminosos da Times Square, por onde passam 1,7 milhões de pessoas por dia, até meados de fevereiro.
Parece charme, mas é um golpe preventivo. Há tempos, a China virou alvo predileto dos americanos, convencidos de que o monstro dos países emergentes é o exterminador do seu futuro. Nenhuma sessão no Congresso e nenhum bate-papo em programas de rádio seria completo sem uma investida contra o dragão asiático, que, pelo que se ouve, está empenhado em roubar empregos, travar uma guerra suja cambial e afogar o mercado com máquinas, roupas e bugigangas baratas.
Ainda é cedo para se saber se a campanha de Pequim surtirá efeito. A portentosa China tem também um problema de imagem de seu tamanho. Mas bem que a missão simpatia poderia se esticar um pouco para o sul do continente. Muita bobagem já saiu do disco rígido de Julian Assange, mas graças ao WikiLeaks temos hoje um retrato razoável das atitudes e preocupações da diplomacia americana e de seus interlocutores. Visto há anos na África e na Ásia como um país predador, a China tampouco está bem na fita no Novo Mundo.
Empresários brasileiros e argentinos acusam as indústrias chinesas de dumping de manufaturados baratos e clamam por novas salvaguardas contra importações. Legisladores erguem barreiras à compra de terra por estrangeiros para conter o furor aquisitivo chinês.
Os países das Américas se orgulham de receber os imigrantes de braços abertos. Mas e se as economias começarem a perder o fôlego? Os novos forasteiros que chegam com capital, ambição e planos - já são 100 mil chineses na Argentina - também serão saudados como hermanos?
Segundo um comunicado de 2009, divulgado pelo WikiLeaks, as empresas chinesas já são tachadas de "gafanhotos", de acordo com Christopher Beede, do Consulado Americano em Xangai, ao relatar uma conversa com estudiosos chineses. Os depoimentos aparentemente refletem um sentimento popular. Em diversos países, sindicalistas reagem à contratação de mão de obra chinesa, funcionários "importados" que não comem com os nativos, dormem em bairros exclusivos e não fazem questão de falar espanhol ou português.
Um exemplo preocupante é San Juan de Monarca, no Peru. Desde os anos 90, operários peruanos na cidade travam uma longa batalha com a siderúrgica Shougang, que sustenta uma elite de funcionários chineses com privilégios, restaurantes próprios e moradia separada. A empresa já foi multada por não cumprir um projeto de investir na infraestrutura municipal.
Mesmo quando a China é louvada, a apreciação vem tingida de frustração. Aos diplomatas americanos, o cônsul argentino em Xangai, Eduardo Ablin, se disse grato à empresa americana Kentucky Fried Chicken por ter "viciado" os chineses em comer asas de frango frito (de aves fornecidas de granjas argentinas). Ao mesmo tempo, ele se queixou do ritmo lento de investimentos chineses. "Há muito mais conversa do que ação", disse Ablin aos americanos.
Nenhuma surpresa nisso. O ressentimento é o reverso da dependência. E a da América Latina com relação à China só cresce. Quase nula na região há 20 anos, Pequim hoje toma um espaço imperial. De 2000 a 2009, as importações chinesas da região cresceram oito vezes, de $5 bilhões a $44 bilhões.
No mesmo período, as vendas chinesas para as Américas disparam, de $4,5 bilhões para $42 bilhões. A China hoje é o parceiro comercial mais importante do Brasil e do Chile e, logo mais, segundo previsões, será do Peru. Até 2015, a China deve ultrapassar a União Europeia em suas trocas com as Américas Central e do Sul.
Não faz muito tempo que a ascensão de um novo poder na região alegraria qualquer nacionalista latino-americano mordido com o poder ostensivo e a arrogância dos gringos - os tais americanos feios que mandavam e desmandavam. Agora, os gringos falam mandarim.
Fonte: O Estadão. http://bit.ly/hIYmAG
Nenhum comentário:
Postar um comentário