domingo, 10 de abril de 2011

A CENTRAL DO DESCASO (BY Marco Sobreira)


Gosto de escrever sobre saúde pública porque com meus 35 anos de profissão, atuando quase sempre no setor público me sinto a vontade para criticar os desmandos de um sistema do qual faço parte. Tenho visto esforços quase que fantásticos, quase sempre a nível municipal, para ofertar ao povo uma saúde de mais qualidade, infelizmente os municípios foram sobrecarregados com a municipalização e os recursos advindos do Governo Federal são insuficientes para que melhoras substantivas sejam efetuadas. Quando o gestor municipal não leva a saúde na sua devida importância, aí então vira o caos.

Quero denunciar mais uma ferramenta do sistema, que se no papel dos técnicos funciona maravilhosamente, na prática tem se tornado um verdadeiro fracasso, refiro-me a badalada “CENTRAL DE VAGAS”. Foi criada para que os pacientes não fossem rejeitados sistematicamente pelos hospitais, deveria criar um sistema de referência seguro para quando se necessitasse de uma maior complexidade, não tivéssemos que ficar ligando para todo o mundo a procura de uma transferência com a garantia da vaga necessária. Muitas vezes temos que implorar a colegas por ajuda para nossos pacientes que necessitem de UTI ou mesmo acompanhamento por especialista inexistente em nosso PAM ou hospital de menor porte.

Nas suas atribuições, a Central de Vagas receberia diariamente relatório com o número de vagas disponíveis para o SUS nos CTIs e enfermarias dos hospitais conveniados ao SUS e a partir dessa informação, as distribuiria conforme solicitações à central, seguindo critérios de ordem de solicitação e gravidade do paciente. Parece perfeito, qual o problema então? Acontece que hospitais filantrópicos são na grande maioria dos estados os grandes ofertadores de serviços médicos ao SUS, já que o Governo não investe o suficiente na criação de hospitais públicos.

As entidades filantrópicas atendem também a planos, seguros de saúde e a particulares, além do patinho feio da história que é o usuário que precisa do sistema público de saúde. Como a tabela do SUS está desatualizada há anos, o que paga não cobre sequer os custos de hotelaria, imaginem os procedimentos, medicamentos, equipamentos, etc...

Como precisam sobreviver começam a sonegar vagas para os doentes do SUS, principalmente para doenças crônicas que requerem internações longas, e UTIs pelo alto custo de permanência dos mesmos.

Falha a Central de Vagas porque não existe vontade política para que ela funcione corretamente, vejamos: O certo seria que todos os dias, funcionário se deslocasse aos hospitais para constatar in loco a existência ou não das vagas e não simplesmente se basear nos relatórios enviados, mas para isso há de se enfrentar o poder dos hospitais, o que não me parece, pelo menos até hoje, a vontade das Superintendências Regionais de Saúde, ou seja, falta vontade política.

Passo a relatar fato ocorrido comigo há alguns anos, para exemplificar o que se passou comigo e que com certeza faz parte de milhares colegas por esse Brasil.

Paciente de 78 anos chega ao pronto-socorro com quadro de insuficiência respiratória aguda, hipertenso, diabético, com seqüelas de AVC, tinha apresentado há dois dias quadro febril, com tosse e dor torácica. Com a piora do quadro e falta de ar , familiares o levaram a procurar socorro médico.

Após avaliação, exames, rx, diagnosticamos pneumonia extensa, derrame pleural, além dos demais problemas mencionados acima. Na época não tínhamos no hospital respirador mecânico, tentamos melhorar o paciente com o que tínhamos disponível, mas era evidente que o mesmo iria precisar de um suporte maior, drenagem torácica e UTI, recorremos então, conforme o protocolo à Centra de Vagas.

Telefonamos,

-Central de Vagas, Aline, Boa noite ( o nome é fictício por motivos óbvios),

-Boa noite Aline, aqui é o Dr. Marco Sobreira do Hosp. Municipal Dra. Andrea Cansian Lopes, tudo bem?

-Tudo bem Dr, em que posso servi-lo,

-A situação é a seguinte, tenho um paciente aqui com o quadro... (reatei superficialmente o estado do paciente), preciso transferi-lo pois vai precisar de UTI.

-Olhe, me respondeu, não tenho nenhuma vaga disponível no sistema no momento, mas me passe um fax com o encaminhamento e assim que tiver a vaga lhe comunico,

Tentei argumentar que o paciente não resistiria se demorasse muito, devido a gravidade e as complicações pré-existentes.

-Vou fazer o possível Doutor, se despediu educadamente.

Fiz o solicitado, enviei o fax com todos os dados, descrevendo minuciosamente o quadro clinico, resultados de exames e rx que realizamos. Durante o resto do plantão, demos atenção especial, tentamos equilibrá-lo da melhor maneira possível.

Terminado o plantão, passei o caso para o colega que estava chegando com a recomendação que de vez em quando pedisse para ligar para a Central, afim de que não esquecessem de nosso paciente, me despedi, não sem antes pedir para que me informassem da evolução e da transferência do paciente.

Lá pelas 16 horas, me ligaram do hospital informando que o paciente tinha ido a óbito sem que tivesse saído sua vaga.

Retornei ao hospital no dia seguinte, estava atendendo no ambulatório quando a atendente me avisa para atender ao telefone,

-Pois não, Dr Marco,

-Doutor, é da Central de Vagas, estou ligando para informar que a vaga do Sr. Antonio (nome fictício) saiu,

Ao que respondi ásperamente,

-Quero agradecer, mas te informo que o paciente a esta hora já deve estar sendo enterrado.

“ESTA É A NOSSA SAÚDE PÚBLICA”

9 comentários:

  1. A saúde pública no Brasil está doente ao extremo !

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  2. Muito importante mostrar o sufoco que vocês passam.
    A população não entende, descarrega toda a raiva pra cima dos profissionais porque o próprio governo se encarrega de transferir a culpa, e faz isso com esse propósito, de livrar a cara e jogar nas costas dos outros.

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  3. Paulo Gilberto Morais dos Santos PeGê10 de abril de 2011 às 14:11

    Caro amigo Marco: eu, que não sou do ramo, conheço "n" casos semelhantes, imagine você e os seus colegas espalhados Brasil afora o que não têm em histórias escabrosas como essa aí para contar...

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  4. Doutor! Lamentável sob todos os aspectos.Tenho escrito sobre a saúde pública, que para mim é caso de policia, pois MATA, e sobre o péssimo serviço público em geral. O grande problema que não se vislumbra solução, pois o grande problema é de Gestão, de interesse, de administração, de exemplos, bons exemplos, óbvio, portanto é muito complicado, porém termos que continuar pressioná-los, os "governantes em geral". Muito Bom o artigo!

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  5. a questão é que não há política de saúde pública neste país. simples assim.
    e pior que já se está achando isto normal. no caso da tragédia de Realengo os feridos foram para um hospital estadual no mesmo bairro. Como não havia neurologista de plantão nem aparelhos em funcionamento, os mais graves foram transferidos para outro hospital estadual de helicóptero. E tinha que ser pelo ar mesmo, afinal este segundo hospital fica a mais de uma hora de carro. E a imprensa deu esta informação como se o primeiro hospital fosse um posto de saúde que não tivesse obrigação de ter uma emergência com quadro completo e aparelhos funcionando

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  6. Infelizmente no Brail, saude continua sendop um caso de polícia.
    Cabe ao Ministério Público apurara responsabilidade da "central de Internações" e punir os cuplpadoss pelo descao que acarretou a morte do paciente !!!

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  7. Um dia destes eu acompanhei a queda de braço entre o Governo e as Empresas de Planos de Saude.
    Os unicos prejudicados foram os pacientes que mesmo possuindo o plano de saude não eram atendidos pois as administradoras não autorizavam internaçõe ou atendimentos, enquanto o governo não autorizasse o reajuste que reivindicavam.
    Tal atitude repreenta quebra de conttrato e mais que iso; um desrespeito aos direitos do cidadão e à legislação, cabendo tambem ações judiciai para apurar reponsabilidades, punir culpado e indenizar os prejudicados.
    Saude no Brasil, seja pública ou particular, é caso de polícia !!!

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  8. Dr.Marcos, como profissional da área de saúde passava horas ao telefone tentando conseguir uma ligação para central de vagas para que o médico falasse do estado do paciente em necessidade de UTI.Fazia isso porque era apenas 1 médico p atender pronto atendimento,uti,e fazer evoluções dos pcts,e apenas 1 enfa,com um minímo de auxiliares e técnicos.A bem da verdade o pct ia a óbito,Isso ñ é de hoje,o sr fez um relato fiel desta ocorrência que deixa o profissional de saúde de mãos e "pés atados"vendo a piora do pct,angustia dos familiares que a pricípio culpa-nos de negligência,gerando conflitos.Enquanto isso outros pcts ficam sem cuidados da(o)enfa(o),A Central de Vagas é um dos engodos que a população desconhece e serve de palanque aos politícos vagabundos que se internam no Sírio,Albert,São Luis e/outros a custa do nosso dinheiro.Somos os "Bois de Piranha" que trabalham com salario vergonhoso em instituições q embora cumpram a CH nos submetem a número excessivo de pcts,onde ficamos com a triste missão de escolher quem podemos assistir.Dr.sua coragem de por a público é a luz que brilha no fim do tunel.

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  9. Parabenizo os que postaram seus comentários sobre Central de Vagas e saúde no br,seria ótimo que a povo soubesse disso e ñ apenas das "grandes Obras"palanqueiras que tomaram conta do país nesses últimos 8 anos.Quase uma década de promoções pessoais de um apedeuta esquizofrênico paranóico e gente morrendo a mingua,esmolando o dever do estado no cuidado com saúde.Vamos divulgar.

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