sábado, 21 de setembro de 2013

MUITO ALÉM DE UM VOTO

GABRIEL TEBALDI | gab_meira@hotmail.com
Ao longo dos seus 24 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello escreveu uma história de retidão e caráter. Em 2012, deu voz ao povo em seu histórico discurso no Mensalão: “Esse processo criminal revela a face sombria daqueles que transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder”. Assim, deixou o sentimento de que finalmente se iniciaria uma nova história na política brasileira.

Logo veio a lua de mel do povo com o STF. Joaquim Barbosa tornou-se herói, e o Tribunal, um símbolo de justiça. Mesmo indicada pelo PT, a maioria dos ministros se distanciou da politicagem e fez valer a lei. Os discursos e as penas levaram o povo a uma crença sincera: “Amanhã há de ser um novo dia”.

Mas o tempo mostrou que o futuro não passava de ilusão. Mesmo tendo sido julgados numa corte privilegiada, os réus ainda vão puderam recorrer das decisões, provando que no Brasil, o Supremo não é supremo.

Enquanto os partidários organizavam os recursos, a presidente da República articulou algo mais ousado. Diante da ilógica obrigação de aposentadoria compulsória por idade de Cezar Peluso e Ayres Britto, Dilma indicou dois nomes que, curiosamente, em seguida votariam a favor dos condenados.

Ao mesmo tempo, o PT iniciou a campanha de criminalização de juristas como Luiz Fux, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, desqualificando suas decisões. Junto disso, lançou a santificação dos réus, valendo até filme sobre José Dirceu. Na obra, obviamente, veremos mensaleiros travestidos de cavaleiros da ética na luta contra os ministros malvados. Um delírio para a companheirada!

Quietinho, José Genuíno tratou logo de garantir sua aposentadoria por invalidez na Câmara. O deputado assumiu como suplente em janeiro e agora diz ter uma “cardiopatia grave”. Se se aposentar, receberá R$ 26 mil por mês, independente da condenação do STF. E mais: artistas e políticos fizeram um manifesto para o petista, dizendo “Nós estamos aqui”. Dentre as assinaturas de apoio estão José de Abreu, Marta Suplicy e até Chico Buarque!

Montada a presepada, o governo levantou o quase morto “embargo infringente”. Sim, quase morto, pois as cortes superiores, como o Tribunal Superior Eleitoral, já interpretam tal caso como inconstitucional. Mas o STF e sua parcela mal intencionada andam na contramão, direção que só aos culpados interessa.

Os embargos são por si só, ilógicos: quatro votos a favor de alguém têm o poder de criar um novo julgamento, mas cinco votos contra são inúteis para impedi-lo. Mesmo assim, o “sim” e o “não” possuíam total respaldo na legislação. A questão, portanto, era de pura interpretação dos ministros (sendo ela ética ou não). Os novatos de Dilma votaram a favor, junto de Lewandowsky, Rosa Weber e Toffoli (ex-advogado do PT), deixando o jogo no 5 a 5. Sobrou para Celso de Mello desempatar a história.

Em 2012, Celso referiu-se aos mensaleiros como “os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os delinquentes marginais da ética do Poder, que portam o estigma da desonestidade”. Agora, aparentemente esquecendo-se disso, adotou outro tom, negando até mesmo o povo: “Juízes não podem deixar contaminar-se por manifestações da opinião pública”.

Celso caiu no mesmo engano do novato Barroso: entender que o clamor popular é irracional, impulsivo e injusto, enquanto a análise anacrônica das leis detém a razão e verdade.

É claro que a corte não deve se deixar influenciar, mas, se a lei é “dinâmica” (como disse o próprio Celso) não deveria considerar o fato das brechas servirem tão somente para beneficiar oportunistas? É correta a aplicação cega da lei, que apenas colabora com a impunidade corrupta e com a desilusão nacional?

Em sua interpretação, o virtuoso Celso de Mello escolheu o lado dos mensaleiros. A consequência de sua escolha vai muito além de um simples voto ou novo julgamento. O reflexo, na verdade, vem nas palavras de Reinaldo Azevedo: “A decisão errada e imprudente de um virtuoso torna céticos os decentes e ainda mais cínicos os viciosos”.

Gabriel Tebaldi, 20 anos, é estudante de História da Ufes

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