domingo, 3 de julho de 2011

GOVERNO SANFONA.

Os efeitos intrinsecamente perversos do sistema presidencialista de coalizão para a qualidade da governança no Brasil são conhecidos de todos quantos se interessam pela política federal e o funcionamento da administração pública. O presidente de turno não tem apenas uma "maioria desorganizada", como dizia Fernando Henrique na sua primeira passagem pelo Planalto, para indicar, entre outras coisas, os conflitos de interesses que se sucedem no seu interior, perturbando o diálogo do governante com a sua base aliada e, por extensão, com o Congresso. Além da servidão de gerenciar as ambições que estão nas origens desses conflitos, sem o que se estreitam as suas chances de ver aprovados os projetos tidos como indispensáveis ao seu programa, o presidente enfrenta o desafio de harmonizar o atendimento às demandas dos aliados por verbas e cargos com as suas próprias prioridades - e os recursos disponíveis.

Tudo fica ainda pior quando a essa dificuldade estrutural se soma a inexperiência, ou a inaptidão, do presidente da República para manter sua maioria no Congresso sob relativo controle. É o que se tem visto, uma vez e outra e outra ainda, no governo Dilma Rousseff. Não se lhe fará a injustiça de ignorar que ela procura dar o melhor de si no desempenho da função. Mas tampouco se pode imaginar que ela desconhecesse, ao tomar posse, as realidades do exercício do poder no País, das quais faz parte a disposição dos políticos de pagar para ver a mão de quem, conforme o seu patrimônio de liderança, ou aprenderão a respeitar ou insistirão em chantagear. Não se trata, da perspectiva do Planalto, de escolher entre a tutela e a submissão às forças partidárias que formam sua maioria no Congresso. Trata-se de se entender com elas, numa sintonia fina que a presidente está longe de saber dominar.

Políticos têm sensibilidade incomum para farejar a insegurança dos seus interlocutores e tirar disso o proveito que conseguirem. Eles endureceram o jogo com Dilma por apostar, à luz do seu comportamento, que tinham uma boa chance de levar a melhor numa questão para eles essencial: a da liberação de verbas para as obras que patrocinam em seus redutos e graças às quais têm meio caminho andado para ganhar a eleição seguinte. Confrontado com a alta da inflação, o governo decidiu passar a tesoura em R$ 50 bilhões para chegar a um resultado fiscal no seu entender satisfatório. Os cortes atingiram em cheio as emendas parlamentares ao Orçamento. Quinta-feira, por exemplo, expirava o prazo para a liberação de R$ 4,6 bilhões em recursos do Orçamento de 2009 cujo desembolso ficara para anos seguintes e acabou bloqueado no fim do governo Lula - os tais "restos a pagar".

Dilma não poderia ter sido mais taxativa ao comunicar a sua decisão de não prorrogar o bloqueio, invocando o rigor fiscal. A base, o PT incluído, retrucou com o bloqueio da tramitação de projetos de interesse do governo, a começar da medida provisória que institui um programa de acesso ao ensino técnico, e com a ameaça de aprovar duas pródigas propostas - a emenda constitucional sobre os repasses da União destinados à saúde pública e o projeto que eleva os salários de PMs e bombeiros em todo o País. Não deu outra: diante da chantagem aliada, deu o dito por não dito e prorrogou por 90 dias o pagamento dos restos. Tudo parecia a caminho do apaziguamento quando o loquaz ministro da Fazenda, Guido Mantega, condicionou a prorrogação à suspensão, durante igual período, de novas liberações de emendas. E, mais uma vez, foi um corre-corre para explicar à base que o que valia era a palavra da presidente e não a do ministro.

O episódio dos restos a pagar é, por baixo, o terceiro tropeção do governo em assuntos relevantes, depois da votação do Código Florestal e do zigue-zague de Dilma no caso do sigilo eterno (ou limitado a 50 anos) dos papéis oficiais considerados ultrassecretos. A repetição não deixa dúvidas: a presidente governa por ensaio e erro, e o seu governo é a coisa mais parecida que existe em Brasília com uma sanfona. Não adianta culpar por isso o disfuncional sistema político. Dilma é que tarda a assumir a sua responsabilidade primária: encarnar na Presidência.

Editorial do Estadão

2 comentários:

  1. Amigo, na década de 60 o Prefeito Prestes Maia preferiu passar à História como um "governo pífio", que submeter-se à "chantagem".
    Deixou os cofres abarrotados e as Finanças Públicas saneadas.
    Seu substituto FARIA LIMA entrou para a História como o "prefeito mais dinâmico" de todos os tempos.
    Perderam os vereadores. Ganhou São Paulo e sua população.

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  2. realmente está na hora da Dilma demonstrar sua face gerentona

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