segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A REVOLUÇÃO DO PAPA

CARLOS ALBERTO DI FRANCO *
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Rio de Janeiro foi o maior fenômeno de massas da nossa História. Mais de 3 milhões de pessoas lotaram as areias da Praia de Copacabana para ouvir o papa Francisco. Foi um espetáculo incrível de fé, unidade e alegria. Como todos os que lá estiveram, vivi uma experiência forte. O clima era de final de Copa do Mundo. A multidão gigantesca não era massa despersonalizada. Tinha um toque de família que impressionava e mexia por dentro.

Usando tênis e mochilas e agitando a bandeira de seus países, os jovens cantaram, dançaram e entoaram bordões como "somos a juventude do papa". Vi o Teatro Municipal em peso cantar Cidade Maravilhosa sob o olhar de um papa emocionado e conquistado pelo coração dos brasileiros. Mas também vi, nos momentos previstos de recolhimento e oração, um silêncio que se podia cortar. Ouvia-se apenas o rumor das ondas do mar. Incrível!

As imagens, sem dúvida espetaculares, não conseguiram refletir plenamente o ambiente que marcou a presença do papa Francisco no Brasil. Durante quase uma semana, apesar da chuva, do frio e dos problemas de organização, milhares de jovens vindos de todas as partes do mundo mostraram a surpreendente capacidade de renovação da Igreja Católica.

O papa falou dos riscos de valores efêmeros como sucesso, dinheiro e poder, alertou sobre as atitudes egoístas, convocou os jovens a não esmorecerem na luta contra a corrupção e reforçou seu empenho contra a pobreza, a desigualdade e a insensibilidade social. Mas, sobretudo, sacudiu a própria Igreja e fustigou as atitudes de acomodação e burocracia. Falando aos jovens argentinos na Catedral do Rio, pediu uma Igreja "barulhenta" que "saia às ruas". Disse Francisco: "Espero uma confusão na Jornada Mundial da Juventude, mas quero confusão e agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Quero que a Igreja vá para as ruas. Quero que nos defendamos de tudo que seja acomodação e ficar fechado em torno de nós mesmos. Não podemos esvaziar a fé".

Na missa que marcou o encerramento da Jornada, mais uma vez o papa apontou os jovens como os atores principais da propagação da fé católica. Na homilia pediu à multidão, estimada em 3,5 milhões de pessoas, que não ficasse "trancafiada" em casa: "A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que os caracteriza".

Em uma semana no Brasil, o papa Francisco delineou os caminhos de seu pontificado. Em discurso para os bispos da América Latina no último dia de sua visita ao País, criticou a "ideologização" da Igreja por grupos que vão da "categorização marxista" aos "restauracionismos" de "formas superadas". Mas a crítica do papa também disse respeito à leitura do Evangelho de acordo com o "liberalismo de mercado" ou como mera forma de autoconhecimento - e, portanto, sem sentido missionário. Na outra ponta, atacou a ideia de transformar a Igreja numa empresa ou numa ONG, de acordo com certa "teologia da prosperidade", em que a fé é recompensada por ganhos pessoais. Para ele, a Igreja precisa voltar-se par as "questões existenciais do homem de hoje", enfatizando: "Toda projeção utópica (para o futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom". Francisco propôs uma "mudança de atitude" da Igreja e exortou os bispos a se questionarem: "Superamos a tentação de tratar de forma reativa os problemas complexos que surgem? Criamos um hábito proativo?".

A humildade como princípio e a disposição ao diálogo nortearam os discursos do papa dirigidos aos políticos e às autoridades. Depois de criticar "pessoas que, em vez de procurar o bem comum, procuram o próprio benefício", defendeu a formulação de políticas públicas com base em valores éticos. Num recado direto aos atores do espaço público, Francisco disse que "é impossível imaginar um futuro para a sociedade sem uma vigorosa contribuição das energias morais", de modo a evitar que a democracia fique "fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos". Para isso, advertiu, é preciso estabelecer o diálogo, que é a única solução "entre a indiferença egoísta e o protesto violento. (...) Ou se aposta na cultura do encontro ou todos perdem".

Aos jovens a quem se dirigiu na JMJ o papa pediu que sejam "revolucionários", isto é, que "se rebelem contra essa cultura do provisório", assumindo responsabilidades sem se deixarem levar "pelas modas e conveniências do momento".

Impressionou, e muito, o tom positivo que permeou todos os discursos e homilias do papa. Impressionou, também, a transparência de Francisco em suas entrevistas aos jornalistas. O que se viu não foi uma Igreja acuada, na defensiva. Ao contrário. O papa rasgou um horizonte valente e generoso. Deixou claro que os católicos não são antinada. O cristianismo não é uma alternativa negativa, encolhimento medroso ou mera resignação. É uma proposta afirmativa, alegre, revolucionária. Os discursos do papa não desembocaram num compêndio moralizador, mas num desafio empolgante proposto por uma pessoa: Jesus Cristo. Os jovens entenderam o recado e mostraram notável sintonia com o pontífice.


O papa é exigente. Sem dúvida. E os jovens vão atrás do seu discurso comprometedor. Não gostam de um cristianismo desidratado. A juventude abraça grandes bandeiras: a coerência com a fé, a rebelião dos valores, a luta contra as discriminações, a defesa da vida, o combate à corrupção. Quem não perceber, na mídia e fora dela, essa virada comportamental perderá conexão com o novo mundo. Afinal, como bem salientou Francisco, "a juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo".
* CARLOS ALBERTO DI FRANCO É DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS.

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