domingo, 4 de agosto de 2013

A VINDA DE FRANCISCO E A NOVA POLÍTICA

As mensagens de humildade e aproximação com o povo, deixadas, há uma semana, pelo papa Francisco aos brasileiros, podem significar uma nova página no relacionamento da Igreja Católica com a política. Com sorriso permanentemente estampado no rosto, destemor em se aproximar do público e certo despojamento, o líder católico deixou o país ovacionado não só por seu rebanho, mas por lideranças de outras fés. De quebra, deu exemplos de que um “título” não transforma ninguém em figura inalcançável.

O “papa dos pobres”, que adotou a alcunha de São Francisco de Assis, o santo que abandonou uma vida abastada para dedicar-se à pobreza, já na chegada destoou da pompa costumeira da política nacional. Em vez de helicóptero, o ex-cardeal argentino usou carro; nos dias seguintes, visitou hospitais, abraçou delinquentes e ex-drogados. Ele “foi para a galera” sem receio.

Fora épocas de campanha, quando é que os políticos vão às ruas e tocam as pessoas? O abraço papal foi físico; o dos detentores de mandato precisa ir além, traduzido em ações eficientes de cuidado com as pessoas, com investimentos planejados, acesso a educação e saúde de qualidade, por exemplo.


Amarildo




Francisco é um entusiasta das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), aquele setor da igreja que vai onde as políticas públicas não chegam. É um homem conhecido por seu trabalho pastoral, de caminhadas e acolhimento. Com ele, a mensagem é límpida: o clero está disposto a se movimentar e influenciar as decisões que hoje são tomadas em gabinetes.

O primeiro passo, nesse sentido, é reformular a linguagem dos religiosos. Em vez de serem insígnias de uma fé distante da realidade, a tendência é que, cada vez mais, as celebrações falem do dia a dia, do que afeta as pessoas. E se nisso o poder público falha, é provável que se transforme em alvo.

As condições para esse novo relacionamento entre a fé e o poder estão se desenhando. Se entre os evangélicos o viés religioso já constitui bancada, com força política e capitalização de votos, agora o povo de Francisco foi, indubitavelmente, chamado a se mexer e pressionar.

O povo já foi às ruas. A igreja foi às ruas. É a hora de os políticos também saírem do conforto do mandato e tentarem entender, mais de perto, o que a voz das multidões – sejam manifestantes ou fiéis – tenta dizer. Quem não o fizer corre sério risco de ser excomungado nas urnas em 2014.

Minientrevista 

“É uma vergonha aceitar pessoas em corredores de hospital” - Dom Luiz Mancilha Vilela, Arcebispo de Vitória

Líder da Igreja Católica no Espírito Santo, o arcebispo de Vitória, Dom Luiz Mancilha Vilela, pondera que a vinda do papa Francisco ao Brasil tonou mais latente a necessidade de o clero se aproximar dos mais necessitados e adaptar sua linguagem para ganhar terreno entre os mais pobres.

O que muda no clero após a passagem do papa pelo país e suas mensagens de humildade e exaltação à simplicidade? 
A Igreja Católica tem que sair de si. Primeiramente, temos que incentivar os políticos católicos a assumirem esse protagonismo e se descobrirem missionários. As comunidades têm que ter formação crítica, sabendo dizer o que tem que ser dito, mas sem quebradeira, sem rosto tampado.

Nos últimos anos, vimos uma expansão das religiões protestantes e algumas seitas. A seu ver, por que isso ocorre?
Precisamos encontrar um jeito maior de aproximação com os pobres, com uma linguagem que eles entendam e se motivem. Alguns irmãos procuram respostas imediatas, milagres. Não somos adeptos de tapear o povo e não oferecemos mágicas para atrair fiéis.

O clero precisa ser repensado? 
Nós, padres e bispos, tendemos a ficar na cúpula, mas temos que nos sentar com o povo, a brincar com o povo, a conversar. Precisamos dar esse passo de aproximação.

O papa pediu que a igreja vá para as ruas. Qual a avaliação do senhor sobre o impacto desse chamado na política? 
Há um estímulo para que todos nos aproximemos. Nas manifestações das ruas, o governador disse que está aberto ao diálogo. Mas isso não está acontecendo. Existe, nos políticos, uma cultura do fechamento. Falta a alguns políticos a consciência da missão que têm. Quem anda de helicóptero jamais saberá se as estradas estão esburacadas.

O que o senhor apontaria, no cenário estadual, como erro? 
A saúde pública precisa melhorar. É uma vergonha aceitar pessoas em corredores de hospital. É preciso ter vontade política e coragem para tratar os enfermos com dignidade. A parte da Segurança precisa de formação cidadã, de bons salários. Os policiais têm que ganhar bem. E na mobilidade, está mais que claro que os ônibus são ruins. Parece que carregam porcos e macacos ali dentro, e não pessoas.


Fonte: Praça Oito = A Gazeta

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