Em 2006, os cubanos eram proibidos de namorar nativos e de sair de casa após às 18 horas sem autorização e de pedir empréstimo local
Pacientes internados no Hospital das Clínicas de La Paz, na Bolívia (Aizar Raldes/AFP)
Em 2006, a Bolívia fechou um convênio com os irmãos Castro para levar médicos cubanos para trabalhar no país. Era um acordo similar ao assinado pelo Ministério da Saúde brasileiro na última quarta-feira. Aos que foram enviados à Bolívia, foi entregue uma cartilha de doze páginas, à qual o site de VEJA teve acesso, com normas e restrições que deveriam ser cumpridas à risca. Para quem desobedecesse, a punição variava da advertência pública ao regresso imediato a Cuba.
Dividido em onze capítulos, o grau de detalhamento do Regulamento Disciplinador chegava ao nível de dizer o que os cubanos deveriam fazer caso começassem algum relacionamento amoroso com uma nativa. A título de curiosidade: obrigava os cubanos a informar às autoridades o relacionamento. Além disso, a parceira deveria estar ciente do pensamento revolucionário das missões cubanas — e concordar com ele.
Os profissionais também estavam proibidos de sair de casa após às 18 horas sem autorização prévia do chefe imediato. Para conseguir o aval, eles deveriam informar aonde iam, se estariam com colegas cubanos ou com nativos e qual a finalidade da saída. Os médicos eram proibidos de ingerir bebidas alcoólicas em lugares públicos, fora algumas poucas exceções: festividades cubanas, aniversários coletivos, despedidas de outros colaboradores e outros.
De acordo com a cartilha, os cubanos não poderiam participar de atos públicos para os quais não fossem convocados. Estavam também proibidos de falar com a imprensa sem autorização prévia, de pedir dinheiro emprestado aos bolivianos e de manter amizade com outros cubanos que tivessem abandonado a missão.
Punição — Os cubanos que não cumprissem as normas do Regulamento cometeriam infração, que poderia resultar em processo e punição pela Comissão Disciplinar. Entre as punições previstas estavam advertência pública, transferência para outro posto de trabalho, expulsão da missão e o regresso a Cuba.
SEM O REVALIDA FICOU FÁCIL
Mais Médicos: Os brasileiros Christian Uzuelli e Thiago da Silva e a argentina Natalia Allocco, todos médicos formados na Argentina, vão atuar no estado de São Paulo (Vivian Carrer Elias / VEJA)
Os primeiros profissionais do exterior selecionados pelo Programa Mais Médicos para trabalhar em regiões carentes do Brasil desembarcaram em oito capitais nesta sexta-feira: São Paulo, Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e Salvador. O Ministério da Saúde espera que, até domingo, 244 médicos cheguem ao país. Esse número não inclui os 400 cubanos que virão ao Brasil neste fim de semana graças a um convênio entre a pasta e a Organização Panamericana de Saúde (Opas).
A partir desta segunda-feira, os médicos estrangeiros ou os brasileiros formados no exterior participarão de um curso de três semanas no qual terão contato com as normas do Sistema Único de Saúde (SUS) e com as particularidades dos municípios para os quais foram designados. Os cursos serão dados nessas oito capitais. Somente depois disso, os médicos se instalarão nas respectivas cidades. O salário dos profissionais selecionados pelo programa será de 10.000 reais, e eles também contarão com uma ajuda de custo dos municípios.
Em São Paulo, o primeiro voo a trazer profissionais de fora veio da Argentina, com cinco médicos – três argentinos e dois brasileiros formados no país vizinho. Outros voos deveriam trazer, ainda nesta sexta-feira, mais dois médicos da Argentina, além de profissionais da Espanha e de Portugal. O Ministério da Saúde espera que, até domingo, 47 médicos estrangeiros desembarquem em São Paulo: dez deles trabalharão na cidade e o restante em outras regiões do estado.
Sem Revalida — Os cinco médicos vindos da Argentina chegaram ao Aeroporto Internacional de Guarulhos por volta das 14h30, mas o Ministério da Saúde não permitiu que a imprensa acompanhasse o desembarque. Somente cerca de uma hora e meia depois, três médicos, dois brasileiros e uma argentina, conversaram com os jornalistas presentes no aeroporto. Os outros dois argentinos não apareceram e detalhes sobre eles não foram divulgados.
Um dos três médicos que falou com a imprensa é o brasileiro Christian Uzuelli, de 32 anos. Formado pela Universidade Nacional de La Plata, obteve especialização em medicina legal e ciências forenses em Portugal. Ele vai trabalhar em Itaquaquecetuba. "Não conheci a cidade, mas a escolhi para ficar perto de onde meus pais moram", disse. "Trabalhei em uma unidade de saúde de medicina familiar em Coimbra, em Portugal. Eu gostei de trabalhar com medicina familiar. Se a bolsa para trabalhar aqui fosse para atuar em psiquiatria, eu não viria", disse. Uzuelli afirmou que teve vontade de trabalhar no Brasil quando voltou da Europa, mas que seria "financeiramente impossível" deixar de trabalhar para se dedicar aos estudos e realizar a prova de revalidação do diploma, o Revalida.
O outro médico brasileiro é Thiago da Silva, de 32 anos, cuja especialidade é pediatria. "Meus pais moram aqui e faz muitos anos que estou fora, e sempre tive a vontade de oferecer a medicina que aprendi no Brasil", disse. "Acredito que é possível fazer uma boa medicina na área primária da saúde e oferecer melhor qualidade de vida à população com baixos recursos." Quando questionado sobre a bolsa que ganhará no país, o médico disse ser "totalmente desprovido de valores materiais". Ele vai atuar em Francisco Morato. Da Silva não quis responder se ele acreditava que médicos brasileiros não gostam de tratar a população mais pobre. "Prefiro não dar a minha opinião", disse.
A médica argentina que chegou em São Paulo se chama Natalia Allocco e tem 26 anos. Formada pela Unversidade Nacional de Rosário, em Santa Fé, ela abandonou a residência em medicina da família para participar do programa brasileiro. A mãe de Natalia é brasileira e o pai, argentino e médico cardiologista. Ele também atua no Brasil. "Sempre tive vontade de morar aqui. Não tem a ver com o salário. É uma boa oportunidade, pois não é mais preciso o Revalida, então ficou mais fácil", afirmou, em português fluente. A argentina trabalhará na capital.
Portunhol — Formado há quatro anos na Espanha, o médico Thiago Carvalho, 33 anos, desembarcou nesta sexta-feira em Brasília. Acreano, ele trabalhará em Rio Branco e, mesmo sem ser obrigado, disse estar disposto a se submeter ao Revalida. "Eu volto para minha casa e com o propósito de trabalhar na minha região. Médico pode ser japonês, alemão ou de qualquer parte do mundo, é médico e exerce a medicina", disse.
A espanhola Sonia Gonzales, 38 anos, que também se inscreveu no Programa Mais Médicos, declarou, em portunhol, estar "emocionada com o desconhecido", mas com "muita vontade mesmo de trabalhar e ter uma nova experiência”. Médica de família, ele vai trabalhar no distrito indígena do Alto do Rio Negro. ´
Fonte: Revista Veja
Fonte: Revista Veja
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