O Estado de S.Paulo
Na retomada das conversações de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo colombiano, em Havana, a narcoguerrilha marxista faz exigências que, se aceitas, representarão a completa desmoralização do Estado.
A negociação, mediada por Cuba, Venezuela, Noruega e Chile, começou em 2012 e tem sido, no geral, positiva, embora esteja ocorrendo sem um cessar-fogo. Em maio passado, as partes chegaram a um acordo sobre uma reforma agrária, uma das principais imposições da guerrilha. Entre os pontos acertados estão a criação de um fundo para compra de terras e a implantação de programas para capacitação rural, além de investimentos em saneamento, educação e saúde para os pequenos agricultores. Está previsto ainda um plano de combate à fome na zona rural.
Agora, o tema em discussão é a participação dos integrantes das Farc na vida política, e o grupo não se faz de rogado: exige que o Estado colombiano financie totalmente a estrutura que julga necessária para esse fim.
O chefe da delegação das Farc, Luciano Marín Arango, aliás "Iván Márquez", detalhou a exótica pretensão. Disse que era necessário "garantir de maneira efetiva, real e material, os direitos políticos de todos os integrantes das organizações guerrilheiras em rebelião contra o Estado". Para as Farc, não basta conquistar o direito de formar partidos e de participar de eleições, o que é uma reivindicação legítima. O grupo quer "condições especiais" de acesso a meios de comunicação. "Márquez" foi didático: "Por acesso entenda-se o acesso à propriedade e à participação nos meios públicos estatais, inclusive em sua programação. Em todo caso, o financiamento será estatal".
Os narcoguerrilheiros querem, "em especial", que se financie "um diário impresso, uma revista de teoria e análise política e uma emissora de TV com cobertura nacional". Só assim, argumentou "Márquez", as Farc poderão entrar na política em condições de igualdade com os demais partidos, uma desculpa mal ajambrada para esconder o estatismo patológico dessa turma.
As exigências estapafúrdias, porém, não param aí. As Farc querem também que todas as "instâncias parlamentares" do país reservem um certo número de vagas para os futuros políticos oriundos da guerrilha. Para isso, seria necessário criar o que as Farc chamam de "circunscrição de paz" dentro do Congresso colombiano, onde atuariam esses parlamentares. A intenção é "garantir a participação direta no Poder Legislativo".
Tais imposições são evidentemente despropositadas, mas não surpreendem. Num passado não muito distante, durante as negociações de paz realizadas entre 1998 e 2002, o então presidente colombiano, Andrés Pastrana, desmilitarizou uma parte do território e cedeu o controle da área às Farc, conforme exigia a guerrilha. Ao aceitar abrir mão da soberania do Estado sobre um pedaço do país e dá-lo a um grupo armado que pretendia destruir esse mesmo Estado, o governo desmoralizou-se.
Agora, as Farc querem uma espécie de "zona desmilitarizada" no Congresso e cobram privilégios inaceitáveis numa democracia, mesmo em se tratando de um processo excepcional de transição num país conflagrado pela guerra civil. O atual presidente, Juan Manuel Santos, não pode cometer o mesmo erro que Pastrana. Não pode ceder aos caprichos de guerrilheiros que, conforme mostra o histórico das negociações de paz, raras vezes demonstraram autêntico interesse em acabar de vez com a guerra.
Os colombianos não são tolos. Uma recente pesquisa mostra que 63% deles não apoiam o atual processo de paz, pois estão vacinados contra as velhacarias das Farc. Além disso, 45% não acreditam que as negociações resultem no fim dos conflitos. Para contornar esse ceticismo, o governo Santos precisa convencer as Farc, de uma vez por todas, que determinadas condições são inegociáveis, a começar pelo autêntico respeito às regras do jogo democrático
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