Alguns dias após os resultados do segundo turno das eleições, o debate público tem sido marcado pelo processo de transição política, algo que se espera que ocorra sem sobressaltos, e pela discussão do retorno da cobrança da CPMF.
A presidente eleita deu a senha para o debate ao afirmar, em entrevista, que alguns governadores estavam propondo a discussão e que, apesar da posição dela, não poderia se furtar ao tema, visto que a saúde, além da segurança pública, será a prioridade de seu governo.
Não haveria nenhum problema nesse tipo de discussão se o tema da criação de novos tributos tivesse sido discutido ao longo das eleições. Não foi. Não haveria problema algum com esse tipo de discussão se o tema do financiamento da saúde tivesse sido levantado ao longo do processo eleitoral. Não foi.
Além disso, não há nenhuma garantia - e pela experiência que temos de quando a CPMF vigorava nesse país a garantia vai em sentido oposto - de que uma vez criada uma fonte exclusiva de financiamento para a saúde pública em nosso país, que recursos correspondentes advindos da cobrança de impostos que não têm vinculação alguma não sejam retirados do financiamento da saúde.
Necessário melhorar a saúde pública em nosso país? Isso é evidência que ser humano algum pode negar. O caminho para isso é criar a CPMF? Penso que primeiro temos que apostar em outras mudanças para, se então for o caso, criar novo tributo. Precisamos ampliar os controles sobre o sistema de financiamento da saúde implementando o Sistema Nacional de Auditoria, criado há 17 anos e até hoje não implementado. Poderíamos pensar mais em prevenção, que pelo que ouço do pessoal da área, além de ser melhor para a saúde, também economiza recursos.
A CPMF é isonômica, garantem os seus defensores, pega todos da mesma maneira. É verdade. Só que não garante justiça tributária. Uma pessoa que faz uma transação financeira para comprar um veículo Ferrari, por exemplo, é tributada no mesmo percentual que alguém que está fazendo compra de alimentos para casa.
A CPMF é uma garantia de luta contra a sonegação fiscal. Hoje a Receita Federal já tem dispositivos legais bastante amplos para isso. Se, mesmo assim, fosse o caso poderia ser criado o tributo com uma alíquota simbólica de 0,001%, por exemplo.
Além dos argumentos já apresentados penso que a democracia é um regime de governo que deve sempre se preocupar com meios e fins. Não é possível aceitar uma democracia formalista, como tivemos tantos anos, onde os meios eram a suprema preocupação, sem objetivar a vida dos cidadãos.
Também não é possível aceitar uma democracia onde os fins, por mais humanos que sejam a sua proclamação, não se coadunam com a necessária discussão que deve ser feita quando as medidas afetam o contrato social negociado. Na democracia, um momento fundamental para essa negociação é o processo eleitoral que acabamos de enfrentar e onde o tema CPMF/financiamento da saúde não foi discutido.
Não é possível fazer de conta que nada aconteceu recentemente e que o problema apareceu agora. Isso não é democrático.
AGazeta
Rafael Cláudio Simões é historiador, membro da Transparência Capixaba e do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil e professor da UVV.
Nenhum comentário:
Postar um comentário