CARTA AO MEU IRMÃO SAULO.

Olhe meu irmão, resolvi escrever-lhe essa carta porque apesar de nossa crença, no fundo no fundo tenho lá meus momentos de pouca fé e quem sabe o Chico Xavier tem razão e você está por aí vagando, nos olhando e portando talvez de alguma maneira esta mensagem chegue ao seu destino. Estou acabando de chegar do cemitério, talvez não se lembre mas hoje é o dia de finados e nosso pai nos ensinou que é dia de reverenciar aos que se foram, se bem que na verdade você nunca deixou de estar em nossas mentes e corações. Mas vamos lá, estávamos lá eu, nossa mãe, nossos irmãos, sobrinhos e o seu filho Saulo José, por sinal ficando um belo rapaz, você ficaria orgulhoso de saber como ele está enfrentando com dignidade a sua ausência. Nosso pai não foi, até hoje não sabe da sua partida, resolvemos poupar-lhe pois apesar do Alzheimer, tem momentos de lucidez. Nossa mãe como é de se esperar estava inconsolável, todos nós rezamos e apesar dos esforços não conseguimos segurar as lágrimas;

Como pode imaginar, de todos nós, o Tavinho é o que ainda não se conforma, sempre considerou você um filho e por isso sofre duplamente, mas está transferindo para seu filho todo o amor que sempre marcou a relação de vocês. Dulcinéia como sempre a mais chorona e a Rose, a beata da família, puxou as orações, até o César que sempre foi o machão da família não conseguiu esconder uma lágrima que teimava em escorrer-lhe dos olhos.

Está um dia chuvoso e triste, bem de acordo com o nosso estado de espírito e contribui para mim pensar e lamentar o porque não estivemos mais juntos, dividíssemos mais nossas alegrias e tristezas, sucessos e fracassos, acho que nossa diferença de idade contribui muito para isso, mas quero que saiba que não há um só dia que sua lembrança não habite meus pensamentos.

Mas nem tudo é tristeza, estamos todos bem e com saúde, meu filho, que vai se chamar Marco Sobreira deverá nascer sábado próximo e o meu neto, filho do Rodrigo alguns dias depois, e assim a vida segue meu irmão, enquanto uns desembarcam, outros tomam assento no trem da vida.

Acho que não vai gostar de saber que o Alcebíades não veio, agora é Testemunha de Jeová e como tal não participa desses simbolismos, mas chora comigo toda vez que falamos de você.

Sua esposa não pode vir e naturalmente seu filhinho, entenda, está muito recente e pra ela ainda é muito difícil aceitar o que o destino lhe reservou, mas está tentando seguir a vida e tem um apoio muito grande da família.

Este mês vai acontecer o encontro da família Sobreira e apesar dos apelos do Tio Robinson não sei se vou, pois ainda é muito vivo em minha mente o encontro passado, lembra de como dançamos e nos divertimos? Acho que prefiro guardar aquela lembrança.

É isso meu irmão, do resto as coisas seguem seu curso, continuo trabalhando muito, não sei até quando, confesso que os plantões já começam a ser penosos embora não pense em jamais me aposentar, basta o exemplo do nosso pai que adoeceu depois que parou de trabalhar, acredito cada vez mais que precisamos manter a mente funcionando.

Querido irmão, deixei para o final a noticia de que nosso candidato perdeu a eleição para a Presidência e como temíamos o Lula jogou todo o peso de sua popularidade e do Estado para eleger sua candidata. Lembra de nossa preocupação quanto aos riscos á democracia? Pois é, torço sinceramente para que nossas preocupações sejam infundadas.

Vou me despedir pois não consigo mais segurar as lágrimas, esteja onde estiver meu irmão, saiba que nosso amor por você é eterno, se estiver ao seu alcance olhe por todos nós, principalmente nossa mãe que naturalmente é quem sente mais sua ausência.

Saudades do seu irmão,

Marco Sobreira.