Transformei quatro afirmações pós-eleições do presidente Lula em indagações que expressam complexas relações políticas entre governantes poderosos, bem avaliados, e sucessores que defenderam "continuidade e avanço". Como agirão, pós-mandato, Lula e Hartung? Quais os dilemas comuns de Dilma e Casagrande? Passada a "transição", e à medida que o governo se estabelece, o que predomina na história das influências mútuas entre o ex-mandatário e o novo? (Des)continuidade? Ruptura? Ulysses Guimarães disse: "Na política, mais difícil do que subir é descer".
1. "A continuidade é na política, e não nas pessoas"? No hiperpresidencialismo, "as capacidades pessoais do presidente são fundamentais", como observa o professor Renato Lessa. O presidente Lula, ao condensar uma "série de trajetórias, impôs uma situação de reverência". Qual é, então, o desafio dos novos dirigentes? Preencher o "vazio" simbólico e a costura de apoios antagônicos, segundo Lessa. Assim, o conflito entre quem sucede e quem apóia pode brotar das comparações dos "personalismos" no comando do governo, e que vão além de"estilos diferentes", mesmo que haja "continuidade na política". As "pessoas" são vitais - e empreendem governos que aguçam a percepção da descontinuidade entre passado e presente.
2. "Rei morto, rei posto"? Quem deixa o governo sombreia quem assume o poder? Qual é a intensidade de "luz própria" tolerada por quem saiu bem avaliado e não quer ser ofuscado? Para fazer valer o novo "personalismo", quais "marcas" diferenciadas serão geradas? É possível combinar, sem conflitos de alta voltagem, continuidades e avanços? E as mudanças? O jornalista Élio Gaspari recuperou o "sistema de mando" ao modo do senador Pinheiro Machado, influente senador gaúcho em governos da "República Velha": "Nem tanto que digam que ela faz o que eu digo, nem tão pouco que achem que não me ouve". É possível essa sintonia fina: "Não mandar muito, mas evidenciar que influencia um pouco"?
A fase de montagem das "equipes de governo" permite identificar como se tece o "equilíbrio instável" entre velho e novo governo. São muitas as "especulações" de quem o presidente Lula indicou ou, mais brando, recomenda para integrar a equipe de Dilma Rousseff. O ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, é o nome ungido para manter a "ponte" entre Lula e Dilma. Aqui no Estado, a composição da equipe de transição mostra uma divisão equânime: dois integrantes do governo atual e dois do vindouro.
Sintetizo as duas outras declarações do presidente Lula, observando que todas elas se entrelaçam. 3. "Governo que seja a cara dela, o jeito dela"? Adaptando outra frase do senador Machado à equação do poder - "equipe" é: "Nem tão igual que pareça repetição, nem tão diferente que indique desconsideração" do apoio recebido. E, 4. "Poderá dar algum conselho se, um dia, for pedido"? Qual é a tendência da relação criatura-criador? A do "pecado" no Éden? A de Frankstein? Diz o professor Leôncio M. Rodrigues que em política não há vocação para ingratidão ou traição, "mas a questão do comando é essencial". E, arremata: "Os políticos amam tanto o poder quanto gostam de ocultar esse amor". A lembrança do "eterno retorno" do "rei posto", contraditoriamente, estimula a afirmação do "rei posto" - originando, do atrito entre criador e criatura, faíscas, centelhas e até combustão. Não faltam exemplos.
Roberto Garcia Simões
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