quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

PREFIRO MORRER DOUTOR.

Atílio Vivácqua, isso mesmo, estranho, mas esse é o nome da cidade onde moro e trabalho há 34 anos. O município está no entorno de Cachoeiro de Itapemirim e o calor é o mesmo. O ano era o de 2000, o mundo não tinha acabado e numa noite quente, abafada, as folhas das árvores não mexiam um milímetro, mês de fevereiro, estávamos eu e o enfermeiro Ronaldo de plantão. Lá pelas duas horas da madrugada as coisas estavam calmas colocamos duas cadeiras na calçada do hospital, ficamos conversando, esperando as horas passarem, já que dormir era impossível. O silêncio era total, não se via uma viva alma na rua, quando Ronaldo me chamou a atenção, dizendo,

-Dr Marco olhe, parece que vem vindo alguém,

Olhei para a direção apontada e lá vinha um homem baixinho, andando com dificuldade e pude observar que andava com as pernas abertas, comentei,

- Ronaldo, parece que está machucado, veja se não é sangue em sua calça?

- Parece mesmo Dr, é o Joãozinho.

- Vá lá Ronaldo, ajude-o.

Ao chegar mais perto, amparado pelo enfermeiro, pude reconhecer o Joãozinho, fama de treteiro, chegado a uma cachacinha e de vez em quando se metia em confusão. Pude observar sua cara de espanto, calça rasgada e ensangüentada,

- Vamos Ronaldo, leve-o para o pronto-socorro.

Enquanto o enfermeiro ia acomodando o Joãozinho na maca, perguntei-lhe,

- O que houve cara?

- Estava numa parada aí e o bicho pegou,

Nisso , Ronaldo já tinha deitado rapaz na maca, pressão arterial aferida, acesso venoso e soro fisiológico, abaixou sua calça, retirou a cueca e pude ver a extensão do problema. Sua bolsa escrotou estava rasgada de cima em baixo e o testículo esquerda estava à mostra, totalmente exposto.

-Como aconteceu isso? Perguntei,

-Dr, vou confessar, tenho um casa com uma mulher casada, ela tinha me garantido que o marido estava viajando e quando eu estava no bem bom, não é que o desgraçado apareceu!

-E aí?

-Aí, que mal tive tempo de botar a calça, pular a janela e saí correndo, só que no desespero, em vez de passar por baixo da cerca de arame, fui passar pelo meio e o resultado é o que o Sr está vendo,

-Pisquei o olho para o enfermeiro e com a cara mais séria do mundo comentei,

-Olha Joãozinho, não vou te negar não, a situação é séria, acho que não vai ter jeito não, vou ter que acabar de arrancar o seu testículo,

Arregalou os olhos e implorou,

-Pelo amor de Deus Doutor, não faça isso não, prefiro morrer...

-Cara, continuei, como sou seu amigo, vou fazer uma tentativa, mas olhe, não garanto nada, ok?

A esta altura o Ronaldo se esforçava para não rir,

-Ronaldo, prepare o material de pequena cirurgia, vamos ver dá para resolver o problema do nosso garanhão aqui.

Após os procedimentos de praxe, assepsia, campo cirúrgico, anestesia local, uma boa lavagem com soro fisiológico para retirar possíveis corpos estranhos, coloquei o testículo para dentro da bolsa escrotal e iniciei a sutura, o que levou mais ou menos uns 30 minutos, devido o tamanho do corte. Deixei um dreno por segurança, solicitei ao enfermeiro que fizesse um curativo compressivo e falei,

-Olha aqui amigo, o serviço está feito, vou te aplicar um antibiótico injetável (keflin se não me falha a memória), uma vacina anti-tetânica e deixar você em observação até de manhã, se não houver nenhuma complicação, vai para casa, ficar de repouso e voltar à noite para trocar o curativo e com 2 dias retirar esse dreno.

-Muito obrigado, Dr Marco, o Sr salvou a minha vida, já pensou eu virar meio homem?

-Que isso cara, não exagere, agora vê se toma juízo sujeito, com tanta mulher por aí, vai se meter logo com uma casada?

-Nunca mais, prometo ao senhor, prometo ainda mais, se eu ficar perfeito como antes, toda vez que eu tiver numa boa, vou lembrar do Senhor,

-Que isso, cara, obrigado, dispenso a homenagem, e dei uma boa gargalhada.

Acompanhei os curativos por mais ou menos uma semana, retirei os pontos e fiquei satisfeito, a cicatrização tinha sido perfeita e o cara estava novinho em folha.

Passado algum tempo, encontrei o Joãozinho e perguntei-lhe,

-Como vai a vida Joãozinho?

-Nem te conto doutor, sabe aquela mulher do problema? O marido deu-lhe uma surra e a expulsou de casa, agora está morando comigo,

-É mesmo? Então deve estar feliz da vida,

-Não vou dizer que não estou bem, gosto da danada, mas vou confessar uma coisa pro senhor se prometer guardar segredo,

-Claro amigo, pode falar,

Joãozinho olhou para os lados, ficou meio sem graça e falou baixinho.

-O Senhor acredita que estou achando que a bandida está me traindo, mas vou pedir uma coisa, se aparecer alguém lá no hospital com os bagos de fora, faça um favor, acabe de castrar o desgraçado!!!!!!

(Histórias de um médico do interior)

5 comentários:

  1. Ha,ha,ha,ha,ha! Interessante! Tenho um amigo médico ortopedista aqui do Rio de Janeiro. Ele escreve todas as situações engraçadas que ele passou durante plantões, cirurgias, etc. Muito legal! @valnobre

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  2. ma-ra-vi-lha!!!!!!!!
    vc poderia escrever um livro "causos médicos" (rs)

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  3. Mercia Maria Alemeida Neves23 de dezembro de 2010 às 19:30

    Muito bom!! fez a tua parte, agora a "parte" dele acho que não bem sucedido...

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  4. Marco,
    Você tem jeito mineiro de contar histórias!
    Você tem alguma coisa de mineiro?
    Gostoso ler o que você escreve.
    Abração, e Feliz Natal!
    Mia
    @miaeloin

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  5. Belo "causo" Dotô!! Agora vê se pode a proposta do Joazinho pro senhor?! rsss
    Parabéns pela bela maneira de contar histórias!

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