Celso Ming
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, passaram meses e meses garantindo solenemente que a meta do superávit primário do setor público deste ano seria cumprida.
Nesta terça-feira, candidamente, Mantega reconheceu que não conseguiria obter tal superávit e alegou que não podia responder pelos resultados dos Estados e dos municípios. Se antes garantiu o que garantiu, é porque não via nenhum problema em que Estados e municípios fizessem a sua parte. De repente, o problema surgiu.
Superávit primário é o tanto da arrecadação de impostos que é separado para pagamento da dívida pública. No início do ano, deveria ser de 3,3% do PIB, o que daria algo em torno dos R$ 125 bilhões. Depois, o governo anunciou que o reduziria para 3,1%. Em seguida admitiu que usaria espertos truques contábeis para obter o resultado que, na prática, seria reduzido a apenas 2,2% do PIB. Ainda não se sabe a quantas vai parar essa conta, mas já é certo que não tem mais jeito. A disparada das despesas públicas decidida para facilitar a eleição da candidata Dilma Rousseff solapou de uma vez o contrato anteriormente firmado com a sociedade brasileira.
Agora, tanto Mantega como Augustin reviram os olhos e juram com os pés juntos que em 2011 será diferente, será um ano para valer. Será um ano de austeridade orçamentária, aperto de cintos, disciplina fiscal – determinação da presidente Dilma. Diante dos fatos, essa é uma afirmação como as outras, sem credibilidade, até prova em contrário.
O acontecido terá lá suas consequências. A primeira delas é a de que o novo governo começa com uma dívida pública mais alta do que a prevista, porque a atual administração não conseguiu fechar as contas como deveria. A segunda consequência sai do âmbito da política fiscal e mergulha no da política monetária (política de juros).
Ao longo de todos esses meses, nas atas do Copom e nos Relatórios de Inflação (inclusive no último, editado há apenas alguns dias), as autoridades do Banco Central declararam solenemente que o volume previsto de moeda na economia (e, portanto, também os juros) tinha como um dos seus principais pressupostos o cumprimento da meta de inflação. Como a meta fiscal não foi perseguida, está claro que os modelos do Banco Central estão carunchados com dados que não se cumpriram e com outros que, sabe-se lá, se vão ser cumpridos em 2011.
Quer dizer, os furos da administração fiscal vão exigir mais esforço monetário (juros mais altos), é claro, se houver seriedade no objetivo proclamado de empurrar a inflação para dentro da meta de 4,5% no ano que vem. Isto é, outra vez sobrou para o Banco Central.
Isso também acontece porque as autoridades do Banco Central têm, em relação às questões fiscais comandadas pelo Ministério da Fazenda, a atitude dos três macaquinhos de Nikko: não enxergam, não ouvem, não falam. Ou seja, não cobram. E como não cobram, têm lá também sua cota de responsabilidade pelos furos da Fazenda.
Enquanto isso, a inflação vai mostrando desenvoltura. Mantega continua, por exemplo, com seu discurso de que a alta dos alimentos é determinada por choque de oferta, que semanas depois se reverte, e que nada tem a ver com a disparada das despesas públicas. Pode ser outro autoengano ou, simplesmente, outra enganação
Fonte: O Estadão.
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