Ora surge no noticiário a revelação de que, conversando com um assessor, diz que gostaria que não chegasse o dia em que terá que deixar o cargo; ora ele mesmo brinca em público sobre o fim do mandato.
Um das características do presidente Lula é ser espontâneo no seu relacionamento com o público, revela suas emoções e se torna um íntimo dos eleitores.
E ele está fazendo questão de não esconder a dificuldade com que lida com a perspectiva do fim do poder, a ponto de precisar reafirmar sua ascendência sobre a presidente eleita, forçando a indicação de ministros - foi o que fez com o ministro da Educação, Fernando Haddad, e com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira - ou de interferir nas decisões do futuro governo, como no caso da desautorização pública nos cortes do PAC.
Esses são sintomas de que Lula não se adaptará à vida longe da Presidência da República, ou de que pretende exercer uma interferência aberta no governo Dilma Rousseff?
Será que Lula sofrerá da "síndrome de abstinência" longe do poder ou, mais ainda, Lula ficará longe do poder?
Três especialistas não em política, mas nos segredos da alma humana, analisaram para a coluna as reações do presidente Lula e o que elas podem sinalizar.
O psicanalista Joel Birman acha que o sucesso obtido no governo, e o consequente alto nível de aprovação por parte da população, deu a Lula um sentimento de satisfação imenso. "Ele tem um nível de felicidade no exercício do poder que poucos políticos têm, de forma que a perda disso é difícil".
Para Birman, Lula vai ter de ter um "trabalho de luto". "É como quando morre alguém querido, você tem que enterrar, tem o tempo de tristeza. O Lula está vivendo isso por antecipação, de uma certa maneira ele está prevendo, está calculando o que vai acontecer daqui a vinte e poucos dias", avalia.
Já o psicanalista Chaim Samuel Katz diz que "todo mundo que sai do centro do poder sofre daquilo que chamamos de narcisismo. E o dele foi alimentado pelo povo de modo muito, muito forte".
Mas, para Chaim, Lula não vai perder poder, vai se recompor e continuará a dar ordens de modo indireto.
O analista Fábio Lacombe considera que Lula, "com toda a sua esperteza política, é capaz de perceber que pode ser inadequado levar o narcisismo dele às raias do insuportável".
Ele ressalta, porém, que "muitos dos atos dele sugerem que vai ser muito difícil não ficar nesse primeiro plano. Ele não vai ter mais em cima dele toda a mídia, e aí é o difícil".
Essa dificuldade, também prevê Joel Birman, para quem Lula "vai ter a experiência de perda, de um dia para o outro ele não vai poder exercer o que faz com satisfação". Lula já disse que sentirá falta "dos microfones", e, para Birman, o fato de ele estar falando isso com uma certa liberdade é bom, "é sinal de que ele está de certa maneira se antecipando ao que vai acontecer. Quer dizer que ele está elaborando isso".
Já Chaim Katz acha que é preciso considerar que "há também um certo charme da parte dele". Para ele, esse é um jeito que faz Lula muito popular. "Para um grupo mais intelectualizado, pode parecer que ele está sofrendo, mas para o povo isso parece uma afirmação gozosa do tipo que a gente faz só numa intimidade que domina", comenta.
O comentário de que vai ficar três meses calado quando sair da Presidência, para só depois falar como ex-presidente, é entendido por Birman como "uma proposta do tempo para fazer o "trabalho do luto".
O psicanalista vê na "ambiguidade entre o luto inequívoco e inevitável e o desejo de querer continuar governando" a explicitação da "gratificação imensa" que o exercício da Presidência deu para ele.
O que ele está fazendo no fim do mandato, ampliando suas participações públicas, seria uma maneira de criar um clima de festa na despedida, diz Birman. "Quando a possibilidade da perda se anuncia, alimentar o clima de festa é alimentar um momento de embriaguez, uma maneira de ele se contrapor à perda que está se anunciando".
O analista Fabio Lacombe acha que vivemos num ambiente que privilegia basicamente o registro do imaginário, um dos três registros da existência humana, sendo os outros dois o simbólico e o real, e "só o simbólico é verdadeiramente capaz de acessar o real".
E Lula, diz Lacombe, tornou-se "um mestre" na manipulação imaginária. "O imaginário é o mais primitivo dos registros, principalmente porque ele se quer real. O sujeito vive a imagem como real. Para que ele possa sustentar essa posição, ele precisa evitar o simbólico, aquilo que faz o ser humano pensar", analisa.
Para ele, a nossa política, e talvez não só a nossa, "está totalmente açambarcada por essa voragem do imaginário".
liderança de Lula, o que ele tem de excelência, é exatamente aquilo que traduz a precariedade da nossa realidade política, analisa Lacombe.
"Ele é um espelho dessa precariedade, passa a ser o grande representante da precariedade da política, não há a possibilidade do favorecimento de um verdadeiro pensamento. Só faz um jogo imagético".
É preciso perguntar o que há em termos simbólicos, verdadeiros, nesses níveis de popularidade. O que esses índices representam em termos de verdade?, questiona Lacombe
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