Bruno Costa Teixeira
A espécie de soberania sob ameaça não é exatamente aquela inerente a determinado Estado-nação, mas, sobretudo, a soberania popular. Esta é que está em risco quando países ditos democráticos formam a linha de frente contra a existência do Wikileaks. Nem mesmo é o caso de afirmar que a segurança internacional está ameaçada. Não é esse o contexto sobre o qual o Wikileaks trabalha. O que está em jogo, por parte do site, é o combate à "política do segredo" e a defesa da sociedade democrática, que precisa e deve ter acesso ao que é de interesse público.
Ademais, o trabalho de Julian Assange não é totalmente inovador, tanto no que se refere ao vazamento de informações estatais, quanto ao ativismo contra a autocracia. Ora, a história mostra diversos casos de publicação de dados de máquinas de guerra e de correspondências diplomáticas.
O que há de novo no Wikileaks é no sentido de que ele trabalha sobre uma paisagem informacional, o chamado mundo dos bits, onde e quando milhares de documentos podem ser apresentados, com crescente capacidade de espalhamento no ciberespaço.
Em consequência disso, com o tempo, perderemos a ingênua impressão de que os "guardiões" da democracia mundial podem ser reduzidos a um conjunto dos EUA. Ao contrário, os novos guardiões são, agora, milhares de pessoas interconectadas, sedentas por transparência e por políticas de proximidade.
É isso, afinal, que se espera de uma democracia representativa, ao passo que precisamos ter contato próximo com aqueles que elegemos para nos representar. Também é neste sentido que caminha a democracia participativa, na medida em que, cada vez mais conectados e informados, podemos atuar para fazer valer nossos direitos políticos.
Do ponto de vista jurídico, a pergunta a ser enfrentada é: diante da liberdade de informar e do direito fundamental à informação, em que sentido os sistemas informáticos, e a própria internet podem garantir a participação política efetiva e livre de censuras e pressões institucionais, sem desrespeitar, por outro lado, a ordem jurídica internacional?
Em rigor: os reis estão nus. E quem tirou suas roupas não foi só o Assange, mas a inteligência coletiva, formada por um conglomerado de cidadãos comuns. E, acreditem: isso é só o começo. A "caixa de Pandora" acabou de ser aberta e muito do que há de inusitado ainda está por vir. Por ora, creio que a velha promessa da cidadania ativa está renovada. Salvem o Wikileaks!
Bruno C. Teixeira é professor de Direito Digital da FDV
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