João Baptista Herkenhoff
Quero me ocupar neste artigo de quatro condições que me parecem essenciais para que se possa ter no país uma Justiça verdadeiramente democrática.
A primeira condição é esta: que a Justiça seja aberta. O espaço da Justiça é um espaço público. Justiça não é negócio entre compadres. Justiça fechada contraria premissa básica da democracia. Dos três poderes da República o Judiciário é o mais resistente a qualquer forma de fiscalização. De longa data fecharam-se as cortinas da Justiça aos olhares públicos, como se a Justiça pertencesse a pessoas e a famílias, reminiscência dos feudos medievais.
A segunda condição para que se construa uma Justiça democrática suponho que seja eliminar todos os óbices à presença do povo nos corredores judiciários. Um óbice aparentemente inofensivo, porém grave, advém da exigência de roupa ou calçado para ingressar nos recintos judiciais. Num país de pés descalços, cobrar que os cidadãos calcem sapatos, para transpor os umbrais do fórum, é uma afronta à cidadania.
Terceira condição é superar outro óbice à democratização da Justiça, bem ligado ao interior. Não é de natureza física, mas sim de natureza mental. Refiro-me ao uso de linguagem cifrada nos tribunais, estratagema proposital para vedar ao povo a compreensão do Direito. É perfeitamente possível lavrar uma sentença com palavras que o homem comum possa entender. Não se pode considerar aceitável aquela situação em que um cidadão submetido a julgamento porque engaiolou um pássaro em extinção, depois de ouvir uma longa sentença, redigida em frases emboloradas, pergunte, de cabeça baixa, humildemente, ao magistrado: "Doutor, com todo o respeito, o senhor me condenou ou me absolveu?"
Sem prejuízo de se fazer entender, o discurso jurídico deve ser rigorosamente correto. Não se podem tolerar erros de português em petições, arrazoados, sentenças ou acórdãos. Se um magistrado não sabe português e comete erros grosseiros, saberá ele Direito? Muito provavelmente, não.
A quarta condição para que se alcance uma Justiça democrática consiste em exigir que as decisões judiciais sejam sempre motivadas. Ou seja, não basta que o juiz diga: "julgo a ação procedente, ou julgo a ação improcedente". É sempre obrigatório que a decisão seja fundamentada, isto é, que sejam explicitadas as razões que levaram o julgador a decidir desta ou daquela maneira.
Também nos órgãos colegiados a fundamentação é imprescindível. Cada julgador deve declinar as razões do seu entendimento. É muito comum, nos tribunais, o desembargador ou ministro, na hora do seu voto, dizer: "voto com o relator, e ponto final". Dizer que vota com o relator não é fundamentação, é preguiça que merece execração pública. A expressão "voto com o relator" é uma fraude ao princípio que determina que as decisões judiciais sejam sempre motivadas.
João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor.
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